Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020 96 quais o direito civil e o direito constitucional passaram ao longo do século XX. O direito civil constitucional, neste plano, é retrata- do como um fato, cujo processo de estabelecimento é quase sem- pre apresentado como o produto da conjugação de dois grandes movimentos: de um lado, ummovimento de retração ou de perda de protagonismo do Código Civil no âmbito do direito privado e no próprio ordenamento jurídico; de outro, um movimento de as- censão ou aumento de importância das Constituições nas ordens jurídicas das democracias ocidentais contemporâneas. No primeiro caso, o Código Civil, outrora considerado como “a Constituição do direito privado” 9 , passa a perder a sua centralidade ao longo do século XX em razão de ações estatais mais intervencionistas – especialmente no campo econômico –, dos movimentos de dirigismo contratual e da criação de leis es- peciais para lidar com situações jurídicas específicas que exigiam a tutela estatal, mas que não eram contempladas no Código Ci- vil (no caso brasileiro, basta pensar nas leis que regulam temas como locação, relações de consumo, proteção ao idoso, criança e adolescente, todas sustentadas sobre compromissos normativos diversos do voluntarismo, individualismo e patrimonialismo so- bre os quais a dogmática tradicional da “Era das Codificações” foi construída). 10 Com isso, não só o direito público vai ocupando espaços anteriormente considerados de exclusiva abrangência do direito privado, como o Código Civil vai adquirindo “uma função meramente residual, aplicável tão somente em relação às matérias não reguladas pelas leis especiais”. 11 9 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: do mesmo autor (Org.). Temas de Direito Civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 2. 10 Referindo-se a esse processo como de decodificação, v. FACHIN Luiz Edson. AReforma no Direito Bra- sileiro: novas notas sobre um velho debate no direito civil. In: FACHIN, Luiz Edson e TEPEDINO, Gustavo (Org.). Obrigações e Contratos – obrigações: estrutura e dogmática . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 231. Contra a visão de que essas leis poderiam estatuir microssistemas, v. TEPEDINO, Gustavo. O Direito civil constitucional e suas perspectivas atuais. In: do mesmo autor (Org.). Direito civil contempo- râneo. Novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do Congresso Internacional de Direito Civil constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 363. Para o autor, a expressão poderia levar à falsa percepção de fragmentação do sistema jurídico. A convivência de diversos sistemas dentro do sistema jurídico seria uma visão de fundamentação ilusória porque, para Tepedino, o ordenamento jurídico é unitário e essa unidade é garantida pelos valores constitucionais. 11 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: do mes- mo autor (Org.). Temas de Direito Civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 12.
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