Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 221 - 248, Maio-Agosto. 2020  235 Portanto, verifica-se em primeiro lugar que a manipulação semântica e discursiva das algemas como símbolo do cárcere e de uma apriorística culpa já é apta a formar no espírito dos julga- dores do rito especial do júri – juiz presidente e jurados integran- tes do conselho de sentença do Tribunal do Júri – uma convicção negativa sobre o acusado que ostenta semelhante objeto durante as audiências de instrução, ainda que seu uso não seja justificado nos termos da Súmula Vinculante n. 11 do e. STF. 4. TRAJETO HISTÓRICO NAS SOCIEDADES OCIDENTAIS O uso de algemas em réus presos como forma de se impedir a fuga ou atentado à incolumidade física própria e de terceiros encontra-se imbricado na história das civilizações humanas des- de priscas eras. Seu manejo como símbolo do cárcere e presunção de culpa deita raízes especialmente nas sociedades ocidentais, objeto de pesquisa desta parte do estudo. Há que se distinguir, em abordagem preliminar, o uso de al- gemas – considerando a etimologia da palavra, já aferida supra – do uso de outros artifícios criados para subsidiar o cárcere nas pe- nas privativas de liberdade, sejam elas provisórias ou definitivas. Nesse sentido, podem ser destacados três objetos com fi- nalidades distintas, a saber: as algemas, objeto específico deste trabalho; o marca-passo , nome popular conferido às algemas para pés, tendo caráter ainda mais carregado de simbolismo estig- matizante, sustentando-se ser uma flagrante violação a normas protetivas dos direitos humanos; e os grilhões, que para fins do presente estudo podem ser considerados as algemas ou marca- -passo dotados de mecanismos aflitivos, divergindo portanto de sua finalidade protetiva para resultar em instrumento de tortura 8 . testemunhas além das indicadas pelas partes (art. 209 do CPP/1941) e, inclusive, as referidas pelas testemunhas (§1º do art. 209 do CPP/1941), etc ” (TOURINHO FILHO, 2012, pp. 79-80). 8 Existem estudiosos que aproximam os conceitos de marca-passo e grilhões, na medida em que tam- bém se constituem em método aflitivo de cerceamento da liberdade, no espectro psicológico. Posto isso, definem o agrilhoamento contemporâneo como o uso de marca-passo em réus presos provisória ou defi- nitivamente, em seus ocasionais deslocamentos para o ambiente externo ao estabelecimento penal. Cf. a obra de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, em referenciado trecho que segue: “ Já quanto ao uso de grilhões, ou seja, peças metálicas para prender os tornozelos, estes se revelam nitidamente desproporcionais, sendo sua utilização injustificada ” (TÁVORA e ALENCAR, 2015, p. 828). Ressalte-se que, no Brasil, o caso “Minis- tério Público Federal v. Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho”, derivado da atuação da Polícia Federal

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