Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 221 - 248, Maio-Agosto. 2020  234 contaminar pelas ilações consubstanciadas nos autos de inqué- rito policial, considerando que os arts. 478 e 479 do CPP/1941 5 , ao trazerem rol taxativo de limitações à leitura de documentos pelos jurados, não incluem os autos do inquérito policial, que trazem considerações promanadas por sujeito parcial da perse- cução penal – a autoridade policial. Logo, os representantes da acusação podem lançar mão de documentos constantes no inquérito policial, cujo desenvolvi- mento as mais das vezes fora fortemente marcado pela influên- cia midiática no curso da investigação preliminar. Por mais que as regras supra vedem considerações sobre o uso de algemas nas alegações orais despendidas pelos representantes da acusação, as referências estigmatizantes inclusas nos autos de inquérito policial, ao alcance dos jurados e do juiz presidente do Tribunal do Júri, preliminarmente exercem o efeito negativo e violam o modelo acusatório. Esse e outros exemplos terminam por ensejar que parte da doutrina sustente ter o Brasil adotado um modelo misto 6 ou acusatório flexível 7 . 5 Decreto-Lei n. 3.689/1941 (Código de Processo Penal). Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. 6 Esta é a posição, dentre outros, do professor Guilherme de Souza Nucci. Relevante o excerto doutrinário de obra da lavra do referido estudioso, in verbis : “ O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal, poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (proce- dimento, recursos, provas, etc.) é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (...). Logo, não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP/1941) resultou no hibri- dismo que temos hoje. Sem dúvida se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição Federal imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório. Por tal razão, seria fugir à realidade pretender aplicar somente a Constituição à prática forense. Juízes, promotores, delegados e advogados militam contando com um Código de Processo Penal, que se estabelece as regras de funcio- namento do sistema e não pode ser ignorado como se inexistisse. Essa junção do ideal (CF) com o real (CPP/1941) evidencia o sistema misto ” (NUCCI, 2012, p. 126). 7 Esta é a posição, dentre outros, do professor Luiz Flávio Gomes (GOMES, 2016). O professor Fernando da Costa Tourinho Filho, membro aposentado do Ministério Público do Estado de São Paulo, também aparen- ta filiar-se a essa corrente de pensamento, nos termos do escólio doutrinário de sua lavra que segue, in ver- bis : “ No Direito pátrio, o sistema adotado, pode-se dizer, não é o processo acusatório puro, ortodoxo, mas um sistema acusatório com laivos de inquisitivo, tantos são os poderes conferidos àquele cuja função é julgar com imparcialidade a lide, mantendo-se equidistante das partes. Na verdade, pode o Juiz requisitar abertura de inquérito (art. 5º, II, do CPP/1941), decretar de ofício prisão preventiva (art. 311 do CPP/1941), conceder habeas corpus de ofício (art. 654, §2º, do CPP/1941), ser destinatário da representação (art. 39 do CPP/1941), ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes (art. 156, II, do CPP/1941), ouvir outras

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