Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 221 - 248, Maio-Agosto. 2020  232 A expressão “algema” é oriunda do árabe al-djama’a (“pul- seira”). No dicionário do professor Antônio Houaiss, a palavra tem por significado a exata definição do objeto ou artifício que a corporifica: “ Espécie de argola de ferro provida de fechadura, que serve para prender uma pessoa pelo pulso ” (HOUAISS, 2018). Contudo, por vezes o significado de uma palavra não se limita ao objeto que ela pretensamente designa. Nesse sentido, o dicionário do professor Cândido de Figueiredo atribui ao vocábulo “algema” à seguinte definição: “ Instrumento de ferro, com que se prende alguém pelos pulsos. Cadeia; grilheta. Oppres- são ” (FIGUEIREDO, 1913, p. 82). Ao trazer a opressão como um dos significados da palavra “algema”, o filólogo lusita- no demonstra que semelhante petrecho inspira no imaginário humano a ideia do arbítrio. As algemas são, nesse sentido, o maior símbolo do cárcere. A natureza das algemas como símbolo do cárcere perfaz- -se nas sociedades modernas especialmente por meio do uso midiático em operações policiais de grande repercussão nacio- nal. Em um processo penal de modelo supostamente acusató- rio, como ocorre no Brasil, a fase de investigação preliminar deveria manter-se destacada da instrução processual penal; contudo, a prática demonstra que tal proposição não se susten- ta no mundo fenomênico. Casos emblemáticos da jurisprudência criminal brasileira do rito do júri – cite-se, de forma ainda perfunctória, o caso Eliza Samudio (Ministério Público do Estado de Minas Gerais v. Bru- no Fernandes de Souza), que será abordado mais detidamente ao longo desta obra – revelam que a influência midiática exerce desde logo um grave e negativo abalo no estado anímico dos in- tegrantes do conselho de sentença. A exposição na mídia escrita, virtual e televisiva do acusado ostentando algemas – ainda que não ofereça risco a si mesmo e a terceiros – já o estigmatiza mes- mo que o direito processual penal brasileiro adote o princípio constitucional da presunção de inocência (Constituição Brasilei- ra de 1988, art. 5º, LVII).

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