Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020 137 que o direito só é social e, sobretudo, moralmente justificável se for possível separar, ainda que esta seja uma questão de grau, tanto o que é jurídico do que é moral como o raciocínio jurídico do raciocínio moral. Em relação à primeira tese, é discutível se o direito como um todo está necessariamente a serviço de certos fins. Kelsen, por exemplo, concebe o direito apenas como um meio específi- co 135 . Dworkin, por sua vez, estipula que o ponto ou propósito da prática jurídica é justificar o exercício da coerção estatal. 136 Shapi- ro, por fim, vincula à atividade jurídica o propósito fundamental de remediar as deficiências morais do que chama de “circuns- tâncias da juridicidade”. 137 Essas disputas profundas sobre se a natureza do direito está relacionada a fins e sobre quais seriam esses fins, que envolvem considerações sobre os próprios proje- tos metodológicos de autores que se propõem a oferecer teorias sobre a natureza do direito, não impedem, porém, que se reco- nheça que o direito inegavelmente realiza certas coisas. Como diz Green, fazendo referência a Hart, o direito, por exemplo, “regula a conduta humana por meio de regras”. 138 Esse é um fato que pode ser reconhecido para além de disputas sobre se “regular comportamentos” é um objetivo a que certas práticas sociais deveriam necessariamente aspirar ou necessariamente realizar para que possam ser caracterizadas como direito. Da mesma for- ma, nada impede que se reconheça que, ao guiar comportamen- tos ou dissolver desacordos morais particulares, o direito acaba produzindo estados de coisas que podem ser classificados como moralmente valiosos, ainda que não se defenda, mais uma vez, 135 KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre . 1. ed. Tübingen: Mohr Siebeck, 1934, 1ª. ed., p. 32. 136 DWORKIN, Ronald. Law’s empire . Cambridge: Harvard University Press, 8. ed., 1993, p. 93. 137 Esta é chamada de “moral aim thesis”. V. SHAPIRO, Scott J. Legality. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press , 2011, p. 213. Os problemas por trás das circunstâncias da juridicidade envolvem basicamente os custos e os riscos relacionados ao desenvolvimento de planos diferentes do direito – considerado como um grande plano pelo autor – para lidar com problemas morais numerosos, importantes e de solução complexa. Porque outras alternativas não conseguem lidar eficientemente com essas circunstâncias é que o direito se desenvolve como grande mecanismo de planejamento social para lidar com questões morais complexas. 138 GREEN, Leslie. Law as a means. In: CANE, Peter (Ed.). The Hart-Fuller Debate in the Twenty-First Century . Oxford and Portland: Hart, 2010. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract =1351304>. Acesso em: 5 ago. 2015, p. 2.
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