Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020  136 jurídico e o raciocínio prático. No mundo civil constitucional, to- mar decisões jurídicas não parece ser diferente de tomar decisões morais, pois o correto parece gozar de prioridade absoluta sobre o formal. Além disso, neste mundo, todos os dilemas morais se tornam problemas jurídicos. 134 No limite, basta para tanto sim- plesmente relacionar a qualquer situação concreta uma restrição ou a possibilidade de promoção da dignidade humana. Em re- sumo: tudo o que é moral é juridicamente relevante e a maneira adequada de lidar com essas questões é raciocinar moralmente. Ambas as consequências colocam em xeque, em um nível mais elevado, o papel do próprio direito na realidade social ou, sob uma certa perspectiva, os seus próprios méritos morais. Para construir o meu argumento, parto de duas teses. Am- bas são controvertidas, mas, apresentadas da forma mais branda possível, podem ser, a meu ver, consideradas pouco problemáti- cas. A primeira é a de que o direito realiza alguns objetivos so- cialmente importantes. E isso independentemente do reconhe- cimento de que o direito está necessariamente a serviço de certos fins. A segunda é a de que a existência do direito se justifica por algumas deficiências da moralidade. E isso independentemente do endosso de alguma teoria específica sobre a natureza do direi- to – i.e. sem que seja necessário subscrever uma teoria positivista ou não positivista. A partir dessas duas teses, pretendo justificar, ao contrário do que o direito civil constitucional leva a crer, por 134 Não me parece evidente, nesse sentido, que problemas como os de abandono afetivo ou de cabimento de danos morais por rompimento de namoro ou noivado sejam, em si, problemas propriamente jurídicos, ainda que sejam problemas morais. No que diz respeito ao abandono afetivo, há entendimento do STJ no seguinte sentido: “[c]omo escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização.”. V. Resp. 757.411/MG, p. 9. No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que “[o] abandono afetivo do pai em relação ao filho não enseja o direito à indenização por dano moral, eis que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor. Logo, não há responsabilidade civil, pretérita ou atual, do pai em relação ao filho, face à ausência de conduta ilícita ou antijurídica daquele”. V. Apelação Cível nº 1.0702.03.056438-0/001 – MG. Quanto à possibilidade de ocorrência de dano moral em decorrência de rompimento de noivado, o STJ entendeu: “[n]ão há, portanto, comprovação nos autos de que o autor ou sua filha tenham sido submetidos a um comportamento abusivo do réu capaz de corroborar a compensa- ção indenizatória pleiteada na exordial, já que a situação gerada por uma desilusão amorosa, por si só, é insuficiente para ensejar a responsabilidade civil, como bem restou salientado na sentença.”. V. Ag. Resp. 249.898/MG, p. 2 e 3. Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Paraná atestou que “[a] simples ruptura de noivado não legitima só por isso a pretensão indenizatória, se não vislumbrada ilicitude no rompimento”. V. Apelação Cível nº 1426280/PR.

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