Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020  115 torno do qual o direito privado passou a ser construído no século que marca a era das grandes codificações 66 , por outro, críticos su- blinhavam que nenhum outro conceito foi introduzido nas bases do direito privado, capaz de limitar a que a vontade poderia legiti- mamente se dirigir. 67 Anoção de vontade era, segundo aqueles que criticavam a sua utilidade para cumprir o papel de unidade básica de compreensão do direito privado, soberana, mas, ao mesmo tempo, vazia a ponto de servir de fonte para explicar da maneira mais ampla e desparametrizada o que deveria ser considerado pelo direito como contrato ou como se conformariam juridicamente as regras que regiam a propriedade. Não é por outra razão que caricaturas sobre a utilidade efetiva do conceito de vontade eram feitas já na França no século XIX, como nesta irônica charada: “pergunta: o que o direito quer? Resposta: o que as partes querem. O que as partes querem? O que o direito quer!”. 68 O direito civil constitucional propõe inovação semelhan- te àquela causada pela introdução do conceito de vontade como base de compreensão do direito privado ao erigir a dignidade da pessoa humana à referência fundamental a partir da qual o direito civil deveria ser conformado 69 e para cuja realização os institutos tradicionais de direito civil, especialmente aqueles relacionados a situações patrimoniais, deveriam ser funcionalizados. 70 Consi- derada o centro do sistema constitucional, a dignidade humana se espraiaria por toda a ordem jurídica, condicionando a com- preensão de todo o direito civil. É nesse aspecto que a dignidade cumpriria um papel importante para, por exemplo, determinar a 66 GORDLEY, James. Foundations of private law. Property, tort, contract, unjust enrichment. New York: Oxford University Press, 2006, p. 7 e ss., especialmente p. 14. V. também, colocando o voluntarismo ao lado do individualismo como pilares fundamentais do Código de Napoleão e das codificações que nele se inspiraram, incluído o Código Civil de 1916, TEPEDINO, Premissas metodológicas para a constitucio- nalização do direito civil, op. cit., p. 2. 67 GORDLEY, James; MEHREN, Arthur Taylon Von, An introduction to the comparative study of private law , op. cit., p. 63. 68 GORDLEY, James; MEHREN, Arthur Taylon Von, An introduction to the comparative study of private law , op. cit., p. 63. Tradução livre. 69 TEPEDINO, O Direito civil constitucional e suas perspectivas atuais, op. cit., p. 357. MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional . Disponível em: <http://empreendi- mentosjuridicos.com.br/site/wp-content/uploads/2015/06/CaminhosDireitoCivilConstitucional-Ma- ria-Celina-B-Moraes.pdf>. Acesso em 01 set. 2015., p. 6. 70 TEPEDINO, O Direito civil constitucional e suas perspectivas atuais, op. cit., p. 365.

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