Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020 105 de sentido dos valores ou princípios constitucionais envolvidos e, na hipótese de divergência entre a resposta legislativa e a res- posta constitucional fornecidas para o caso, (iii) de harmoniza- ção das tensões estruturais e institucionais envolvidas quando há percebido descompasso entre uma regra e um princípio. No primeiro caso, o que está em jogo é um dever prévio a qualquer tarefa de conformidade constitucional: o de indica- ção de todos os princípios constitucionais incidentes no caso, so- bretudo daqueles que estão em relação de tensão, e não apenas da parte da Constituição que possa ser útil para fazer prevalecer uma resposta com aparência de justificação adequada. Em uma ordem constitucional plural e compromissória como a brasileira, não é raro encontrar compromissos constitucionais com estrutu- ra normativa de princípios em relação não harmônica. Localizar as tensões, em vez de privilegiar miopias constitucionais, é, as- sim, crucial para a conformidade constitucional. 35 No segundo caso, o aspecto ainda anterior ao de concreti- zação constitucional é o de delimitação do sentido operaciona- lizável dos comandos que se pretende aplicar no caso concre- to. Evocar simplesmente expressões vagas como “dignidade”, “autonomia” ou “melhor interesse da criança” não é suficiente para a busca de respostas constitucionais adequadas para casos específicos, se não há prévio acordo semântico sobre o emprego dessas expressões no caso – e, dinamicamente, na solução de di- versos casos. Sem esses acordos, sobram apenas indeterminação e discricionariedade. Em relação ao terceiro aspecto, finalmente, é preciso con- siderar, antes de tudo, que o entrincheiramento de razões para agir em regras se justifica em nome de objetivos socialmente re- 35 Nesse sentido, um possível problema constitucional do movimento decorre da tentativa de se relacionar à leitura civil constitucional uma narrativa que reduz a importância de compromissos contidos no texto da Constituição que não sugerem uma única resposta para problemas jurídicos concretos e tampouco permitem afirmar que a leitura civil constitucional é a única constitucionalmente adequada à realidade brasileira. O enfrentamento de uma pergunta como “deve ser despejado o locador inadimplente que não tem onde morar?” deixa claro como olhar apenas para a dignidade humana, o direito social à moradia ou a igualdade material é, desde o início, simplificar um problema mais complexo do ponto de vista consti- tucional, pois a mesma Constituição que protege aqueles princípios também preserva, por exemplo, o ato jurídico perfeito e o direito de propriedade. Agradeço a Gustavo Kloh por me fazer atentar para este ponto e me fornecer o problema indicado.
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