Revista da EMERJ - V. 22 - N.2 - Maio/Agosto - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 91 - 150, Maio-Agosto. 2020 102 mentos históricos, políticos e sociais ocorridos ao longo do século XX, como uma doutrina normativa abrangente que ergue preten- sões de determinar como o direito civil deve ser compreendido e aplicado. A partir desses traços, é possível definir cinco sentidos diferentes relacionados à expressão. Assim, “direito civil consti- tucional” pode se referir (i) ao processo de absorção , pelas Consti- tuições, de temas tipicamente regulados pelo Código Civil 30 , (ii) à necessidade de orientação dos processos de criação estatal do direito e de obrigações entre particulares nos valores constitucio- nais, (iii) à valorização da pessoa humana como centro da ordem jurídica e parâmetro central para a aferição da legitimidade de ações estatais e de agentes privados e da qualidade do trabalho dogmático desenvolvido no âmbito do direito civil, (iv) à neces- sidade de os processos de interpretação do direito e, em sentido mais amplo, de definição de obrigações jurídicas concretas pelo Poder Judiciário se orientarem na realização máxima de valores constitucionais fundamentais de caráter não patrimonial e (v) à possibilidade de aplicação direta de dispositivos constitucionais para a solução de problemas de direito privado. O direito civil constitucional pode ser concebido, portanto, como uma doutrina que se serve de opções explícitas do constituinte e interpretações sobre as preferências da ordem constitucional para explicar e, so- bretudo, definir (i) como regras e institutos de direito civil são e devem ser produzidos, compreendidos e aplicados e (ii) como problemas de direito privado são e devem ser solucionados. As pretensões do movimento são inegavelmente altas. As peças que compõem as suas bases de justificação, complexas. A consolidação da doutrina civil constitucional nos últimos anos, contudo, não é suficiente para impedir que se possa fazer um balanço crítico a respeito da consistência das suas principais te- ses e dos efeitos práticos e teóricos produzidos pela sua ampla aplicação. Contudo, é certo que a ampla aceitação de um discur- so comprometido com valores tão caros à Constituição e conver- gente com aquilo que se tornou entre nós a maior expressão da 30 Paulo Lôbo, como já citado, refere-se a um “processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fun- damentais do direito civil”. V. LÔBO, Novas perspectivas da constitucionalização do direito civil, op. cit., p. 2.
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