Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020 306 mos para evitar que fatos extraordinários ocorridos após a cele- bração dos contratos – como é o caso da pandemia - venham a atingir o negócio originariamente entabulado pelas partes, ge- rando desequilíbrio das prestações e impondo prejuízos injus- tificados a um dos contratantes ou, até mesmo, a ambos. Afinal, “ [p]arece bem evidente que ao tempo do adimplemento, nos contratos duradouros ou de execução diferida, devam existir circunstâncias que garantam a conservação do princípio da igualdade, expresso na equi- valência entre as obrigações reciprocamente prometidas e a obtenção do fim natural do contrato ” 49 . Existem diversas teorias que buscam explicar a possibilida- de de alteração do contrato por quebra do equilíbrio da equação contratual decorrente de fatos supervenientes. Tais teorias vão desde a medieval cláusula rebus sic stantibus 50 até a teoria da im- previsão 51 , passando pelas teorias da pressuposição 52 , da condi- ção implícita 53 e da base do negócio 54 , esta última vista de forma 49 RUY ROSADO DE AGUIAR JUNIOR, Ob. cit., p. 150. 50 Segundo CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, “ os juristas da Idade Média, atentando que nos contratos de execução diferida o ambiente no momento da execução pode ser diverso do que existia no da celebração, sus- tentaram, acreditando-se fundados em um texto de Neratius, em torno da condictio causa data causa non secuta, que o contrato deveria ser cumprido no pressuposto de que se conservassem imutáveis as condições externas, mas que, se houvesse alterações, a execução deveria ser igualmente modificada: ‘contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur ’ (“Instituições de Direito Civil”, vol. III, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2003,, p. 162) 51 ENNECCERUS e LEHMANN assim apresentam a teoria da imprevisão: “ Todo contrato obrigatório só será vinculante enquanto as circunstâncias, abaixo das quais fora concluído, não tiverem se modificado no que for essencial ” (cf. ENNECCERUS, KIPP e WOLFF, Tratado de Direito Civil, Tomo I, 1º, p. 206, Ed. Li- breria Bosch). A doutrina brasileira segue o mesmo caminho, como se vê no ensinamento de JUDITH MARTINS- COSTA: “... a Teoria da Imprevisão teve o mérito de relativizar a força obrigatória dos contratos, quando se manifestasse a alteração das circunstâncias supervenientes à conclusão contratual, e fossem essas circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis ao tempo da formação do contrato ” (“Comentários ao Código Civil”, volume V, tomo I, p. 289, Ed. Forense) 52 Segundo a teoria da pressuposição de WINDSCHEID, “ o contratante se obriga(?) com a certeza da permanência de uma situação ou da ocorrência de um fato sem o qual não teria contratado ” (cf. RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, ob. cit., p. 144) 53 A teoria da condição implícita ( implied terms ou implied conditions no Direito inglês) tem sua fonte na jurisprudência dos países de direito consuetudinário, mais notadamente na jurisprudência inglesa. Como ensina ORLANDO GOMES, “ A teoria da condição implícita é, antes, orientação seguida pelo juiz inglês em casos nos quais a execução do contrato não deve ser exigida pela superveniência de fatos que impedem seja a prestação cumprida. Considera-se que, nessas hipóteses, não subsiste o vínculo contratual, partindo da presunção de que as partes o concluíram no pressuposto de que perdurariam as condições externas em que foi celebrado. A sobrevivência do contrato subordina-se a uma condição implícita (implied condition), entendido o substantivo como uma condictio juris ” (Transformações Gerais no Direito das Obrigações, RT, 2ª edição, p. 98). Caso emblemático da aplicação da teoria da condição implícita na jurisprudência inglesa são os Coronation Cases . Tais processos cuidavam da locação de janelas, cujo objetivo exclusivo era permitir que os locatários assistissem a passagem do cortejo do Rei Eduardo VII. Os festejos, no entanto, foram adiados pela doença que acometeu o monarca. As cortes inglesas, considerando que fora frustrado o objetivo do contrato, permitiram que os locatários não efetuassem o pagamento dos aluguéis. 54 A teoria da base do negócio é assim conceituada por ENNECCERUS: “ Por base do negócio, a esses
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