Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020 304 Conquanto não positivado diretamente no ordenamento jurídico nacional, o dever de negociar encontra respaldo firme na boa-fé objetiva e nos deveres anexos por ela criados. Como salienta ANDERSON SCHREIBER “… [d]e fato, a boa-fé objetiva, consagrada em nossa codificação (arts. 113, 187 e 422), impõe a coo- peração e a colaboração entre as partes em prol do escopo comum. O dever de renegociar exsurge, assim, como um dever anexo ou lateral de comunicar a outra parte prontamente acerca de um fato significativo na vida do contrato - seu excessivo desequilíbrio - e de empreender esforços para superá-lo por meio da revisão extrajudicial. Como dever anexo, o dever de renegociar integra o objeto do contrato independentemente de expressa previsão das partes ” 46 . A regra do dever de negociar encontra-se consagrada em normas do direito estrangeiro e em regras de soft law. Veja-se, como exemplo, princípios do UNIDROIT, mais especificamente a regra do art. 6.2.3 (1), segundo a qual havendo mudança do equilíbrio contratual decorrente de eventos supervenientes a parte lesada pode demandar da outra a abertura de negociações séria e inspiradas na boa-fé 47 . Obviamente, o dever de negociar não impõe à parte uma obrigação de retroceder em suas posições, de reconhecer a vali- dade dos argumentos da contraparte ou de fazer liberalidades, mas sim de participar com seriedade, lealdade e colaboração de uma negociação visando ao reequilíbrio contratual. Vale nova- mente recorrer à lição de SCHREIBER: 46 “Equilíbrio Contratual e Dever de Negociar”, 1ª edição, Saraiva, São Paulo, 2018, p. 341. 47 Artigo 6.2.3 (efeitos) “1) Em caso de hardship , a parte lesada pode pedir a abertura de renegociações. O pedido deverá ser feito sem retardo indevido e ser motivado. 2) O pedido não justifica, por si só, que a parte lesada suspenda a execução de suas obrigações. 3) Na falta de acordo entre as partes num período de tempo razoável, uma ou a outra parte pode recorrer ao Poder Judiciário. 4) O Tribunal que conclua pela existência do hardship , pode, se considerar razoável: extinguir o contrato na data e nas condições que ele fixar; ou b) adaptar o contrato com vistas a reestabelecer o equilíbrio econô- mico” (tradução livre, no original: “Article 6.2.3 (Effets) 1) En cas de hardship, la partie lésée peut demander l’ouverture de renégociations. La demande doit être faite sans retard indu et être motivée. 2) La demande ne donne pas par ele même à la partie lésée le droit de suspendre l’exécution de ses obligations. 3) Faute d’accord entre les parties dans un délai raisonnable, l’une ou l’autre peut saisir le tribunal. 4) Le tribunal qui conclut à l’existence d’un cas de hardship peut, s’il l’estime raisonnable: a) mettre fin au contrat à la date et aux conditions qu’il fixe; ou b) adapter le contrat en vue de rétablir l’équilibre des prestations”.
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