Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020 303 Em suma, não pode o detentor de uma determinada situa- ção jurídica tentar reduzir seus prejuízos sem levar em conside- ração os ganhos que obteve. A regra dos cômodos de representação não é estranha ao ordenamento jurídico nacional. Está expressamente prevista no art. 636 do Código Civil, segundo o qual “ O depositário que por força maior houver perdido a coisa depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante e ceder- -lhe as ações que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira ”. Conquanto a regra acima referida esteja vinculada ao con- trato de depósito, a aplicação dela de forma generalizada se co- aduna com as regras gerais do Direito Civil, pois a possibilidade de que alguém receba vantagens em razão de uma situação ad- versa e, ao mesmo tempo, seja integralmente compensado por todos os seus prejuízos agride o princípio da vedação ao enri- quecimento sem causas (CC., art. 884) e a limitação da reparação à extensão do dano (CC., artr. 944). A lembrança dos cômodos da representação, no debate acerca da pandemia e seus efeitos nos contratos, é fundamental, pois, como se sabe, existem diversas políticas governamentais de salvaguarda da economia, atingindo, principalmente, alguns se- tores estratégicos. É, pois, imperioso que essas ajudas também sejam consideradas na criação do novo equilíbrio contratual e na reconstrução do sinalagma. (g) O dever de negociar Como visto, a questão da impossibilidade temporária ou definitiva causada pela pandemia gerará problemas muito com- plexos, cuja solução demandará reflexões e estudos, os quais a levarão a campos muito distantes da aplicação direta e irrefletida do art. 393 do Código Civil. Algumas figuras jurídicas serão fundamentais para a elucidação desses graves problemas. Dentre elas, avulta-se o dever de negociar.
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