Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020 292 outras obrigações que não foram afetadas pela impossibilidade temporária e podendo elas ser destacadas, levando-se em conta as justas expectativas das partes, aplicar-se- á a regra do art. 184 do Código Civil, mantendo hígidas as obrigações separáveis 18 . Situação semelhante se dará com os deveres anexos decorrentes da boa-fé objetiva 19 . Existente e válido o contrato, tais deveres, como o de cooperação e colaboração, persistirão. Aliás, o prin- cípio da boa-fé objetiva será um elemento fundamental para re- solver diversos casos de difícil solução que surgirão em razão da pandemia que acomete a humanidade. É preciso ressaltar mais uma vez que a impossibilidade temporária poderá não se limitar a um dos efeitos diretos do art. 393 do Código Civil, que é a exoneração da responsabilidade ci- vil. Constituindo verdadeiro fator de ineficácia pendente, haverá a suspensão de todos os efeitos da obrigação, o que não só im- pedirá a ocorrência da mora, mas gerará outras consequências, como a interrupção da fluência dos prazos contratuais direta- mente ligados à obrigação suspensa. (b) A caracterização da impossibilidade definitiva e seus efeitos É preciso verificar que, conquanto temporário, o evento exter- no, inevitável e imprevisível pode trazer consequências definitivas. ALAIN BÉNABET lembra que “ quando a suspensão se torne excessivamente longa e venha a ser intolerável para a outra parte, se abrirá para ela a possibilidade de romper definitivamente o contrato ” 20 . 18 Confira-se o item “d” abaixo. 19 Os deveres anexos de conduta, como se vê na lição de CARLOS ALBERTO DAMOTA PINTO: “Caracteri- zam-se por uma função auxiliar na realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes. Servem, ao menos as suas mais típicas manifestação, o interesse na conservação dos bens patrimoniais ou pessoais que podem ser afectados em conexão com o con- trato (Erhaltungsinteresse), independentemente do interesse no cumprimento. Trata-se de deveres de adopção de determinados comportamentos, impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato (art. 239º e 762º), dada a relação de confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as circunstâncias concretas da situação. Na formulação de Larenz, identificam-se com os deveres de adoptar o comportamento que se pode esperar entre contrastes honrados e leais. (“Cessão da Posição Contratual”, Coimbra, Almedina, 1982, pp. 339/340” A doutrina costuma enunciar diversos deveres anexo de conduta, dentre os quais: (a) os deveres de cuidado, previdência e segurança; (b) os deveres de aviso e esclarecimento; (c) os deveres de informação; (d) os deveres de prestar contas; (e) os deveres de colaboração e cooperação; (f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte; e, (g) os deveres de omissão e segredo. 20 Tradução livre, no original: “Cependant, lorsque cette suspension est trop longue et devient intolerable pour l’autre partie, il faut ouvrir à celle-ci le doit de rompre définitivement le contrat...” (ALAIN BÉNA- BENT, ob. cit.; p. cit.)
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