Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020 288 2. IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE 4 A pandemia e seus efeitos podem se encaixar no conceito de caso fortuito e de força maior, visto que inegavelmente cons- tituem evento externo, inevitável e imprevisível. Ocorre que a esses requisitos deve ser agregado mais um fator fundamental, sem o qual o efeito de exoneração do art. 393 do Código Civil não se verificará. É preciso que esse evento ex- terno, inevitável e imprevisível gere a impossibilidade do cum- primento da obrigação, ainda que temporária. Como se lê na clássica lição de Mazeaud, Mazeaud et Chabas “ [a] força maior ou caso fortuito é um evento exterior imprevisível e irresistível que impede alguém de cumprir sua obrigação ” 5 . Imperioso dar atenção à parte final do excerto extraído da clássica lição dos civilistas franceses, pois caso o evento capaz, em tese, de caracterizar caso fortuito ou força maior não afete efetiva- mente a possibilidade de cumprimento da obrigação no tempo, no lugar e na forma pactuados ou determinados pela lei (CC., art. 394), o efeito de liberação da responsabilidade não existirá. Em suma, não basta que exista um evento que se encaixe nos três requisitos tradicionais. É fundamental que o evento gere real e efetivo empeço à realização das obrigações tal qual ajus- tadas. Ou seja, que exista uma relação de causa de efeito entre o evento capaz de caracterizar a força maior e o impedimento da realização plena da obrigação 6 . Sem a demonstração desse liame, 4 Destaque-se que, em contraponto à impossibilidade superveniente, a doutrina aponta a existência da impos- sibilidade originária, que é aquela que já existia quando da celebração do contrato, por ser anterior ou contem- porânea. No exame da impossibilidade originária, também chamada de impossibilidade genética, avulta- se a divisão entre (a) impossibilidade objetiva, que é aquela que atinge todas as pessoas e leva à nulidade do con- trato na forma do art. 166, II, do Código Civil; e, (b) a impossibilidade subjetiva que atinge apenas o contratante que se obrigou à realização da obrigação e não consegue satisfazê-la, sendo que neste caso não haverá nulidade do contrato, mas restará configurado o inadimplemento daquele que se obrigou sem ter meios de cumprir o prometido. Nas palavras de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “A impossibilidade ‘originária’ presente ao tempo da constituição da obrigação é a causa da nulidade do negócio. A impossibilidade originária que nulifica é apenas a ‘objetiva’ (a que é em si mesma e para todos – absoluta). Na originária ‘subjetiva” (a que é impossível somente para o devedor – relativa), o ato é válido caracterizando apenas uma incapacidade (impotência) do devedor” (“Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor”, 2ª Edição, Aide, São Paulo, p. 97) 5 Mazeaud, Mazeaud et Chabas; ob cit, p. 465 (tradução livre, no original: “La force majeure, ou cas fortuit, est un événemet extérieur imprévisible et irreésistible qui empêche une persone d’accomplir son obligation”) 6 Neste sentido, vale lembrar da lição de JUDITH MARTINS COSTA acerca da necessidade de o caso fortuito precisar se caracterizar como evento necessário, que deve ser compreendido por uma visão concreta , e não meramente abstrata. Ou seja, “ este [o caso fortuito] deve ser compreendido `situadamen-
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