Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 284 - 317, Janeiro-Março. 2020  287 Aparalisação das atividades, ditada pelo isolamento social, ob- viamente, tem reflexos econômicos e jurídicos. Milhares e milhares de obrigações deixarão de ser cumpridas, gerando impactos em ou- tros negócios numa espiral nefasta de incumprimentos e prejuízos. Esse quadro, literalmente catastrófico, traz de pronto à mente dos operadores do Direito a figura biforme do caso for- tuito e da força maior 2 , consagrada no art. 393 do Código Civil 3 . Entretanto, a invocação do caso fortuito ou da força maior não é uma panaceia. Não pode ser utilizada como uma solução sim- plista ( rectius : simplória), aplicável diretamente a todos os casos, sem as considerações peculiares de cada situação concreta. Na verdade, dentro da ótica do Direito Civil, a pandemia, como evento externo, irresistível e imprevisível, pode, dependen- do das circunstâncias de cada caso concreto, gerar a incidência de dois institutos jurídicos importantes: a impossibilidade superve- niente (temporária ou definitiva) e a onerosidade excessiva. Nos dois capítulos subsequentes, serão examinadas as duas figuras jurídicas referidas no parágrafo anterior, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas principalmente para trazer o alerta de que a situação é muito mais complexa e multifacetada do que a simples aplicação direta e sem critério do art. 393 do Código Civil. 2 Embora exista na doutrina enorme esforço de alguns autores para demarcar uma diferenciação entre as figuras do caso fortuito e da força maior, a verdade é que, em termos práticos, essa diferenciação é irre- levante. Havendo inclusive doutrinadores que consideram os dois termos como sinônimos (cf. Mazeaud, Mazeaud et Chabas, “Obligations”, T. II, vol. 1, 9a ed., Montchrestien, Paris, 1998, p. 663) 3 O art. 393 do Código Civil recebeu a seguinte redação: “O devedor não responde pelos prejuízos resul- tantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O artigo é complementado por seu parágrafo único, segundo o qual “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

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