Revista da EMERJ - V. 22 - N.1 - Janeiro/Março - 2020
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 220 - 248, Janeiro-Março. 2020 224 raivosos e ameaçadores. São alvejados por sacos de uri- na e fezes. Os presos brandem estiletes sujos de sangue. “Vocês vão morrer de Aids”, desafiam os detentos. Uma saraivada de tiros ecoa pelo prédio 2 . A questão que se coloca é a brutalidade das ações, o ato de tratar o preso como um mero número que não fará falta se este morrer ou não, a ausência de humanidade, justiça e do impor- tar com o ser humano. Foi exatamente a violência da resposta contra a rebelião que transformou a ação estatal em tragédia, um verdadeiro massacre, que por anos a fio o Estado tentou es- camotear e culminou com o julgamento dos envolvidos e seus claros excessos. O fato é que a violência estatal foi o combustível necessá- rio que um pequeno grupo de detentos precisou para criar um discurso de luta por união dos presos em busca de melhores con- dições dentro dos presídios e da luta contra um Estado opressor. O estatuto do PCC é claro: 2) Lutar sempre pela PAZ, JUSTIÇA, LIBERDADE, IGUALDADE e UNIÃO, visando sempre ao cres- cimento da organização, respeitando sempre a ética do crime. E, 18) Todos os integrantes têm o dever de agir com severidade em cima de opressões, assassinatos e covardias realizados por Poli- ciais Militares e contra a máquina opressora, extermínios de vi- das, extorsões que forem comprovadas, se estiver ocorrendo na rua ou nas cadeias por parte dos nossos inimigos, daremos uma resposta à altura do crime. Se alguma vida for tirada com esses mecanismos pelos nossos inimigos, os integrantes do Comando que estiverem cadastrados na quebrada do ocorrido deverão se unir e dar o mesmo tratamento que eles merecem, vida se paga com vida e sangue se paga com sangue 3 . O primeiro ponto, portanto, é que o Estado contribuiu atra- vés da opressão, da violência, da relativização e supressão de di- reitos para a união dos próprios presos para lutarem contra um opressor comum: o Estado. O segundo ponto é a continuidade 2 Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/reveja/carandiru-1992-8220-aqui-e-o-choque-chegou-a-mor- te-8221/. Acesso em 27 de fevereiro de 2019. 3 FELTRAN, Gabriel. Irmãos: Uma história do PCC . São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 307 e 309.
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