Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 394-442, set.-dez., 2019  402 TOMO 2 nio absoluto de uma tendência política específica ou cosmovisão, sendo, portanto, chamada de Constituição Compromissória 19 . É dizer, cuida-se de uma Constituição pluralista, que resultou do compromisso possível en- tre a ampla variedade de forças políticas e de interesses que se fizeram representar na Assembleia Constituinte, o que, de certo modo, explica a heterogeneidade dos valores constantes do texto 20 . Sendo tão pródiga em valores substantivos, acaba-se lançando mão de princípios expressos em linguagem vaga e abstrata, de modo a condensar tais valores. Por esse ex- pediente, faz-se a mediação normativa entre o direito e importantes aspec- tos da moral, resultando em normas jurídicas de maior plasticidade – os princípios –, que, por vezes conflitantes, acabam formando o espaço ideal para o desenvolvimento da filtragem constitucional 21 . O marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positi- vismo, que representa, em verdade, um novo momento da tensão histórica entre a corrente do positivismo jurídico e do jusnaturalismo, num modelo mais próximo do hibridismo que da divisão estanque 22 . Com a superação histórica do jusnaturalismo, baseado no direito natural, e o fracasso polí- de Direito Constitucional . Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2006. 19 Barroso, Luís Roberto. Doze Anos da Constituição Brasileira de 1988 - Uma breve e acidentada história de sucesso . In: Bar- roso, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional . Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 11. 20 Sarmento, Daniel. Ubiquidade Constitucional: os dois lados da moeda . Sarmento, Daniel. In: Livres e Iguais – Estudos de Direito Constitucional . Rio de Janeiro: Lumen Juris , 2006, p. 180. 21 Schier, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional , 1999. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1999. 22 Sobre essa tensão histórica é muito interessante o trabalho de Viviane Nunes Araújo Lima, originado de sua dissertação de mestrado apresentada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, bem resumido na seguinte passagem: “Notadamente ao perceber o homem como medida de todas as coisas, sujeito de direitos naturais e inerentes à sua própria condição de ser humano, é que o Jusnaturalismo moderno assume ares revolucionários. A noção da existência de direitos subjetivos do indivíduo, oponíveis aos demais e ao próprio soberano, certamente exerceu decisiva ascendência sobre os movimentos revolucionários do século XVII e XVIII. Influiu pois, sobremaneira, na formação do Estado de Direito, erguido sob a bandeira de uma Constituição garantidora dos direitos individuais, limitadora dos poderes do soberano e legitimada pela vontade geral. Tal qual o zangão no reino animal, o macho que desde o seu nascimento esforça-se para atingir a idade adulta e assim fecundar a abelha-Rainha para morrer em seguida, o Direito Natural, desde os tempos mais remotos, esforça-se para fecundar o Direito Positivo, impregnando-o dos valores mais preciosos – Justiça, Liberdade, Bem-Comum. No momento que realiza essa tarefa, tornando fértil o terreno jurídico para as suas aspirações ao final do século XVIII, morre solapado pelo positivismo imperioso e avassalador do século seguinte, pela Era das Codificações, pelas ideias surgidas com as novas correntes de pensamento jurídico, pela escola de Exegese na França, pela Escola Histórica na Alemanha. Já no nosso século, pelos idos dos anos 20, após a Iª. Grande Guerra e mais especificamente ao final da IIª. Grande Guerra, percebemos que, na realidade, aquelas ideias não haviam morrido, mas apenas entrado num estado de catalepsia. Vale dizer, em face aos horrores produzidos pelos regimes nazi-facista e stalinista, os princípios con- sagrados pela Escola do Direito Natural voltam à baila do pensamento ocidental, despertando do sono profundo em que se encontrava a ideia de um Direito justo, fundamentado na razão humana, capaz de fornecer um paradigma de justiça a ser perseguido pelo Direito Positivo de qualquer Estado.” In: A Saga do Zangão – Uma Visão Sobre o Direito Natural. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp.180-182.

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