Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019 392 TOMO 2 Brasil, sendo ele e o filho os únicos sobreviventes do tumbeiro que os trouxe. Chico Rei, de nome original Galanga, foi feliz na extração do ouro, ficou rico e comprou a sua alforria e de outros companheiros, mantendo território próprio e produção autônoma. Conforme estudos do professor Alfredo Almeida, em razão das alienações futuras da terra, até hoje há conflito, por motivo de usurpação e grilagem que ocorreram no tempo. Entrementes, destaca o citado antropólogo: os descendentes e herdeiros constituem os principais agentes sociais em diversas situações analisadas. Inúmeras pesquisas chamam a atenção para isso, recorrendo às técnicas de história oral pelas quais os agentes sociais que receberam as terras como herança narram as dificuldades da formalização. 38 O último exemplo citado pode ser encontrado nos escritos de Eu- rípedes Funes 39 que, em rica pesquisa, colocou luzes sobre os quilombos do baixo Amazonas, cujas reminiscências formaram a comunidade negra rural do Pacoval, no Município de Alenquer, Pará. A narrativa passa pela possibilidade de criação de quilombos sem que os negros mocambeiros tivessem sequer se submetido à escravidão. O historiador traz à considera- ção o depoimento de uma mulher de nome Maria Cândida, que foi presa em 1876 com outros 135 quilombolas e que, indagada sobre quem era o seu Senhor, disse: “nunca tive senhor por ter nascido na mata”, depoimen- to que foi seguido por vários presos. Na memória oral colhida pelo autor, há vários relatos atuais de pes- soas sabedoras de que os seus antepassados vieram forçadamente da Áfri- ca, vindo parar às margens do Rio Curuá, foram escravizados, sofreram maus-tratos, mas depois conseguiram fugir e se espalharam, procurando a proteção proporcionada pelas águas bravas do baixo Amazonas. Há casos de quilombolas com uma história de fuga da escravidão, mas outros que formaram quilombos sem essa vinculação. 38 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. Os quilombos e as novas etnias . In: O’DWYER, Eliane Cantarino (org). Quilom- bos: identidade étnica e territorialidade . Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 62. 39 FUNES, Eurípedes A. “Nasci nas matas, nunca tive senhor”. História e memória dos mocambos do baixo Amazonas . REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. op. cit., p. 534-569.
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