Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

391  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019  TOMO 2 mesmo após a sua proibição, que se deu no campo da normatividade, no ano de 1831 35 , e reforçada com maior efetividade em 1850, com a lei Eu- sébio de Queirós e o Bill Aberdeen inglês. Assim, os traficantes utilizavam a ilha da Marambaia, local que hoje pertence ao Município de Mangaratiba, como ponto de engorda dos escravos para posterior venda na cidade do Rio de Janeiro. Esse entreposto de escravizados perde a importância eco- nômica para o seu proprietário quando ocorre a Abolição da Escravidão, em 1888. O proprietário, comendador Joaquim José de Souza Breves, veio a falecer no ano seguinte, mas havia deixado verbalmente as terras para os escravizados que ali se encontravam por qualquer motivo 36 . Entretanto, a sua esposa, Maria Isabel de Moraes Breves, não cum- priu essa última vontade do extinto, que não formalizara nada em vida, e alienou o imóvel. Após sucessivas transferências, o bem acabou nas mãos do governo federal. Depois de 13 anos de litígio judicial decorrente da disputa pela posse da terra, em 2015, um acordo entre a associação de moradores e a União Federal possibilitou a titulação coletiva da área, com o reconhecimento do domínio em favor de cerca de 350 remanescentes desta comunidade de quilombo 37 . O terceiro exemplo envolve a história de Chico Rei, que também merece ser ventilada para ilustrar como a criação de um quilombo pode se originar da forma mais inusitada e resultar em efeitos, que perduram até hoje, reclamando justa solução. Esse personagem, que consta em livros e na história oral mineira, era monarca no Congo, África. Foi apresado com a família por traficantes portugueses, com vistas à futura venda no 35 Mesmo antes da abolição da escravidão, interessante tese foi defendida por alguns causídicos no sentido de que todo o negro africano que entrou em território brasileiro após a lei de 1831 deveria ser liberto, pois o alegado direito de proprie- dade do escravo teria nascido de um ato ilícito que, em essência, não pode gerar direitos. O rábula mulato e republicano Luiz Gama chamado de paladino da abolição , cujo lema de vida foi por ele mesmo cunhado como “O Brasil americano e as terras do Cruzeiro sem rei e sem escravos” logrou como defensor o êxito de mais de mil decisões favoráveis de liberdade aos escravizados. Sobre a história de Luiz Gama, dentre outros: AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha . Campinas: Unicamp, 1999; CÂMARA, Nelson. O advogado dos escravos . 2. ed. São Paulo: Lettera.doc, 2010. 36 Em 17 de dezembro de 2009, no julgamento do Recurso Especial nº 931.060-RJ, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a área da Ilha de Marambaia, no Estado do Rio de Janeiro, como comunidade quilombola remanescente, legitimando expressamente o critério da autoatribuição adotado pelo decreto 4887/03. 37 Disponível em: <http://koinonia.org.br/atlasquilombola/comunidades/RJ/ilha-da-marambaia/667/historia > e <http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/outubro/quilombo-marambaia-e-titulado-e-cem-familias- -quilombolas-e-caicaras-sao-beneficiadas>. Acesso em: 18 out. 2018.

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