Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019  390 TOMO 2 uma área ao sopé do Morro Dois Irmãos, na zona sul do Rio de Janeiro, e que recebia negros encaminhados por integrantes do movimento aboli- cionista, inclusive da maçonaria. Contava com o apoio de parte da elite da época, inclusive da Princesa Isabel, que recebia diariamente em seu palácio camélias que eram plantadas no local, passando essa flor a ser o símbolo do movimento abolicionista e usada na lapela do terno daqueles que sim- patizavam com o fim da escravidão 33 . A caneta usada para a assinatura da Lei Áurea pela Redentora foi presenteada pelo citado proprietário da área, que era um próspero comer- ciante português e, após esse ato, presenteou-a também com um grande buquê de camélias, flor que se tornaria o símbolo do sonho de liberdade, idealizado e vivenciado pelo movimento abolicionista. Por essa razão, ao lado de outras experiências semelhantes, passa a ser identificado pela história como quilombo abolicionista que se mostrou como uma prática igualmente de resistência, mas que se mostrava diferen- te do modelo clássico de quilombo-rompimento , cujas marcas características eram a fuga, o esconderijo, as táticas de guerra. Um profundo estudo feito por Eduardo Silva aponta que essa nova estratégia de luta pela Abolição da Escravatura envolvia lideranças articuladas politicamente, com documen- tação em dia e que dialogavam com a sociedade. Ensina o Doutor em história que esses quilombolas não represen- tavam mais “os guerreiros do modelo anterior, mas um tipo novo de li- derança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente” 34 . Além do citado dono das terras, dentre as lideranças políticas que dialogavam com esse quilombo, des- tacam-se Rui Barbosa, advogado do Sr. Seixas, José do Patrocínio, João Clapp, presidente da confederação abolicionista, a Redentora, Princesa Isabel, e ainda o próprio Imperador, que recebeu camélias das mãos de crianças negras criadas no quilombo. O Quilombo da Ilha de Marambaia se constituiu em decorrência da reiterada prática do ilícito de continuar o tráfico clandestino de africanos, 33 Em homenagem a essa história, os compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil compuseram no ano de 2015 a canção chamada “as camélias do quilombo do Leblon”. No refrão, há referência à ligação forte entre esse quilombo abolicionista e a princesa Isabel, quando é dito: “somos a guarda negra da redentora.”. Em outro trecho lê-se “as camélias do quilombo do Leblon nas lapelas.”. (Disponível em: <https://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2015/ 08/21/cancao-inedita-de- -caetano-e-gil-fala-sobre-o-brasil-e-cita-israel-ouca.htm>. Acesso em: 25 out. 2018). 34 SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura . São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 11.

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