Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

385  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019  TOMO 2 Como se pode perceber, a adoção desse critério não retira o poder do Estado de sindicar a seriedade da proposição vinda dos interessados, via de regra, reunidos em torno de uma associação de moradores. À luz apenas do texto legal, é possível a verificação da exigibilidade da demons- tração de uma historicidade própria, trato com a terra com traços de espe- cificidade que identifique utilização coletiva e solidariedade entre os seus membros com vistas ao bem comum e, ainda, a demonstração da ances- tralidade negra relacionada com o fato da escravidão. O que se afirma é que o início de uma identificação étnica somen- te pode se dar com o reconhecimento de si mesmo, conferindo-se, em primeira análise, ao depoimento oral dos interessados o mesmo valor de documentos históricos, fotografias, registros bibliográficos, etc 25 . Na se- gura identificação de uma unidade étnica, deve-se fugir dos paradigmas clássicos de hereditariedade, de reconhecimento linguístico e até mesmo de raça original preponderante, pois não se mostra seguro, sob o ponto de vista da busca de isenção necessária, que uma pessoa que não perten- ça à comunidade investigada, servindo-se de critérios objetivos próprios, se antecipe e apresente qualquer explicação acerca de um conhecimento que não é seu. Nessa toada, o Subprocurador Geral da República Aurélio Rios, ba- seado nos mais avalizados ensinamentos da moderna Antropologia, coloca: a questão central para a identificação das comunidades não são as diferenças culturais entre grupos percebidas por um obser- vador externo, mas sim os sinais diacríticos, isto é, aquelas dife- renças que os próprios atores sociais consideram significativas e que, por sua vez, são reveladas pelo próprio grupo. 26 O citado Decreto 4887/03, que se vale do critério da autoatribui- ção, foi apontado como inconstitucional pela ADI nº 3239/04, proposta pelo partido DEM, e, dentre várias considerações, atacou esse critério por dois fundamentos. O primeiro é o de dizer que o decreto se vale da ideia de ancestralidade ou hereditariedade, estendendo indevidamente o texto 25 Nesse sentido: MATIELO, Benedito Aristides Riciluca; OLIVEIRA, Leinad Ayer. Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas . Tânia Andrade (org.). São Paulo: IMESP, 1997, p. 48. 26 REIS, Aurélio Virgílio. Quilombos e Igualdade Étnico-Racial . In: SOUZA, Douglas Martins; PIOVESAN, Flávia (cords). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 196.

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