Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
379 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019 TOMO 2 escravizados fugidos do regime servil formavam um núcleo de resistência com vistas a conseguir a liberdade e viver dignamente de seu trabalho. Resta saber, entretanto, se esse é o melhor conceito de quilombos para a devida aplicação da norma constitucional ou se é necessária uma ressignificação para atender aos anseios sociais que parecem buscar uma atualização, com a possibilidade da autoidentificação feita pelos membros de uma comunidade que entenda por se intitular como remanescente de quilombo, consoante a manutenção das mesmas práticas de criar, fazer e viver que existiam no período escravista e desde que demonstrem alguma ancestralidade negra, seja ela real ou mesmo mítica. 3. RESSIGNIFICAÇÃO DO CONCEITO DE REMANESCENTES DE QUILOMBOS No estudo do sentido da linguagem, a expressão legal “remanes- centes de quilombos” se apresenta como um significante representado pela grafia posta e que pode trazer à cognição dois significados : o primeiro, com olhos para o passado, imutável, comprometido com a história brasileira. O segundo, mirando na senda da superação do cativeiro e da fuga, dinâmico, vinculado ao historicismo que possibilita o estudo atual da cultura, da pró- pria conduta formadora e conformadora da sociedade brasileira, a fim de possibilitar o fomento na busca da emancipação de tais comunidades para um paradigma de dignidade socioeconômica. O primeiro entendimento sobre essa delicada questão caminha no sentido de que o conceito de quilombo é fruto de um fenômeno objeti- vo da historiografia e que seria um equívoco epistemológico grave a sua ressemantização, sob pena de se estabelecer uma reconstituição falsa da realidade. Como representante contundente dessa posição, citamos o his- toriador Aldemir Fiabani, que assim se expressa: Efetivamente, ao se negar e não explicitar os conteúdos diver- sos do termo, no passado e no presente, desqualifica-se a obje- tividade do passado histórico dessas comunidades. Com isso, se destrói a história objetiva, escancarando-se o espaço para a invenção do passado e da tradição. Nos fatos, o passado e a tra- dição passam a ser controlados, definidos e inventados segundo
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