Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019 378 TOMO 2 lógica, ao dizer que quilombo era um “aldeamento de escravos fugidos”. No mesmo sentido, é a percepção de Clóvis Moura, acrescentando que mesmo na língua banto, essa palavra podia trazer consigo o sentido de “ajuntamento de escravos fugidos. 6 ” A primeira referência que buscou descortinar o que seria um qui- lombo não se constitui propriamente em um conceito, mas sim em uma definição encomendada mediante consulta do Rei de Portugal (1740) ao seu Conselho Ultramarino 7 , o qual respondeu que seria considerada “toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem achem pilões neles”. 8 O dicionarista Aurélio Buarque de Holanda define o termo quilombo como sendo um “Estado de tipo africano formado, nos sertões brasileiros, por escravos fugidos”. 9 No mesmo sentido, Alaôr Eduardo Scisinio o com- preende como um “valhacouto de escravos fugidos; unidade básica da re- sistência negra” 10 ou, como define o professor Marés de Souza Filho: “uma reunião de ilegais, bandidos, fugidos da lei e da ordem imperial e colonial”. 11 De toda sorte, quando se pensa em um quilombo vem a nossa mente a ideia de uma fortificação composta de negros fugitivos que, desafiando o direito estatal, formaram um núcleo populacional que buscava manter a cultura e a estratificação social trazida da África. Esse é o conceito histórico de quilombo 12 , que pode ser sintetizado na ideia de um território no qual os 6 MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil . 1ª reimpr. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015, p.335. 7 No Brasil, algumas legislações estaduais tentaram definir o quilombo. Por exemplo, a lei provincial 157 de 9 de agosto de 1848 (RS) dizia: “Por quilombo entender-ser-á a reunião no mato ou lugar oculto, de mais de três escravos”. No Ma- ranhão, o artigo 12 da lei 236, de 20 de agosto de 1847 afirmava que “Reputar-se-á escravo quilombado, logo que esteja no interior das matas, vizinho ou distante de qualquer estabelecimento, em reunião de dois ou mais com casa ou ran- cho.” (ANDRADE, Lúcia; TRECCANI, Girolamo. Terras de Quilombo . In: LARANJEIRA, Raymundo (coord.). Direito Agrário Brasileiro. Em homenagem à memória de Fernando Pereira Sodero . São Paulo: LTr, 2000, p. 599) 8 No mesmo sentido, dentre outros: GOMES, Flávio dos Santos. Quilombos/Remanescentes de Quilombos. In: SCHWARCZ, Lilia. GOMES, Flávio (org.). Dicionário da Escravidão e Liberdade . São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 367-368. 9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda . Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa . 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1758. 10 SCISINIO, Alaôr Eduardo . Dicionário da Escravidão . Rio de Janeiro: Leo Christiano Editorial, 1997, p. 281. 11SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Povos Invisíveis . In: PRIOSTE, Fernando Galhardo Vieira; ARAÚJO, Edu- ardo Fernandes. Direito Constitucional Quilombola: análises sobre a ação direito de inconstitucionalidade nº 3239 . Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 9. 12 O cientista social André Videira de Figueiredo denomina de dicionarização o fenômeno pelo qual se conceitua o qui- lombo como um espaço de fuga e ressemantização aquele em que se faz presente um grupo étnico , defendendo ser esse último o critério utilizado por todas as comunidades quilombolas no Estado do Rio de Janeiro, o que traz o mérito de ampliar seus significados e inserir “definitivamente os grupos interessados na já ampliada comunidade de intérpretes. (FIGUEIREDO, André Videira. O Caminho Quilombola. Sociologia Jurídica do Reconhecimento Étnico . Curitiba: Appris, 2011, p. 97-98)
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