Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
377 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 374-393, set.-dez., 2019 TOMO 2 no Brasil, fazendo constar da Constituição Cidadã o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que conta com a seguinte reda- ção: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”. Durante cerca de trezentos e cinquenta anos de escravatura, a for- mação de quilombos mostrou-se uma constante, pois onde há a tirania do regime econômico escravocrata haverá a tentativa de fuga, já que a busca da liberdade constitui-se em um direito natural do homem. Tanto que o ato de se aquilombar ocorreu em outros pontos, recebendo os nomes de palenques nas colônias espanholas, marrons nas inglesas e grand marronage nas francesas, o que seria diferente da petit marronage , que identificaria as pequenas fugas 1 . Segundo historiadores contemporâneos, quinze milhões de africa- nos foram arrancados de suas terras para a América, sendo que 40 % fo- ram trazidos para o trabalho servil no Brasil, no que pode ser chamado de diáspora africana 2 . Apenas para que se tenha uma noção de grandeza, no primeiro censo realizado, em 1872, chegou-se a um número de 9.930.478 habitantes no Brasil. Para se atingir o ideal de cumprimento da Constituição, fundamental se mostra trazer à consideração o melhor significado para a expressão rema- nescentes das comunidades de quilombos . Esse é o objetivo primaz deste artigo. 2. CONCEITO HISTÓRICO DE QUILOMBO Em seu novo dicionário banto, Nei Lopes 3 diz que o vocábulo qui- lombo 4 tem origem na palavra kilombo , da língua quimbundo 5 falada em Angola, e significa “acampamento, arraial, povoação, povoado; capital; união, exército”, sendo essa a sua conotação toponímica, a qual acresce a ideo- 1 VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 494. 2 REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Uma história de liberdade . In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (org.). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 9. 3 LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil . 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2012, p. 213; No mesmo sentido: VAIN- FAS, Ronaldo. op. cit, p. 494-495. 4 Quilombismo não se confundia com o quilombolista . Enquanto o primeiro contestava a estrutura social da escravatura e tinha um pensamento coletivo de crítica ao sistema e a vontade de estabelecer um Estado próprio com seus companheiros do infortúnio da escravidão, o segundo apenas pretendia livrar-se do cativeiro, sem o espirito do movimento de quilom- bolismo. (LOPES, Nei. op. cit., p. 213). 5 Língua falada pelos ambundos. O gentílico é bundo , que pode ser um indivíduo ligado ao grupo étnico ambundo ou ovim- bundo, de Angola (LOPES, Nei. op. cit., p. 54).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz