Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019 612 TOMO 2 Nessa linha, Canotilho e Vital Moreira apontam que a objeção não pode ser invocada por mandatários eleitos em relação às suas funções, tendo em vista não só “a responsabilidade democrático-republicana em que es- tão investidos”, mas também que os mandatos em tela são “de candidatura livre” 50 . O mesmo se pode dizer de um juiz de paz que, em nome do Estado e na aplicação do direito, se recuse a celebrar uma união entre pessoas do mesmo sexo porque isso afrontaria a sua consciência. Para os autores, os professores de escolas públicas também não podem alegar a objeção para se eximir de ensinar “teorias científicas intersubjetivamente aceites e com- provadas na comunidade científica”, como a teoria da evolução 51 . A lógica aqui é a mesma: a liberdade de cátedra tem como limite a uniformização do padrão curricular. O sistema público de ensino não pode ser apropriado pelos professores a ponto de recortar do conteúdo elementar o que eles mesmos não considerem pertinente ou correto. Não há como admitir que o currículo escolar, definido pelos órgãos competentes, varie tanto de sala de aula para sala de aula. Dessa forma, quem se recusar a atender ao currículo obrigatório pode ser legitimamente penalizado por isso. O que há de comum em todos esses casos é que o agente é o instru- mento de que se serve o Estado para atuar: a celebração de um casamento civil depende do juiz de paz, assim como o ensino ocorre por meio do professor. Esses dois agentes presentam o Estado de uma forma bastante imediata quando agem: o conteúdo da sua expressão – a constituição da relação conjugal e a exposição dos alunos ao currículo obrigatório – é imputado ao Estado. Se o discurso é feito pelo Poder Público, que precisa de pessoas que o veiculem para ele, não há que se falar em afronta à liber- dade individual na punição de quem, na condição livremente assumida de agente público, se negue a fazê-lo 52 . Notadamente quando esse discurso é constitutivo e, em si mesmo, altera a situação jurídica das pessoas, como no caso do casamento. Como o Poder Público depende de indivíduos para executar suas decisões, admitir que seus agentes se recusem a fazê-lo é deixar o Estado 50 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. cit. , p. 616. 51 Ibid. , p. 627. 52 Nessa linha, a Suprema Corte dos EUA considera inaplicável a liberdade de expressão a discursos do Estado ( government speech doctrine ). V., mais recentemente, Pleasant Grove City v. Summum , 555 U.S. 460 (2009). Na literatura, defendendo a perfei- ta aplicação dessa doutrina aos professores de escolas públicas, v. BOWMAN, Kristi L. The government speech doctrine and speech in schools. Wake Forest Law Review , v. 48, pp. 211-285, 2013, pp. 259-262.
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