Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

607  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019  TOMO 2 termos financeiros – até porque argumentos de índole pragmática, con- quanto relevantes, devem atentar à primazia valorativa dos direitos funda- mentais 35 . No caso das pessoas jurídicas religiosas ou expressivas, quanto mais o dever legal afetar sua finalidade principal, maior será o peso relativo da objeção de consciência. De outra parte, a proteção tenderá a ser menor conforme o comportamento regulado se distancie do papel cultual ou ex- pressivo da entidade 36 . Além disso, a ponderação deve considerar, ainda, elementos como: a importância da contribuição individual do sujeito para promoção do objetivo legal; o caráter personalíssimo (ou não) do dever; a existência de outras pessoas igualmente aptas a cumpri-la; e a viabilidade de sua substi- tuição por prestações alternativas 37 . Dessa forma, o modo como se pode acomodar a objeção (v. item nº 6, infra ) interfere na ponderação, na medida em que gera maior ou menor restrição aos fins que o dever legal procura promover. Do fato de a objeção exigir uma ponderação decorre que ela precisa ser justificada e, assim, submetida ao crivo dos procedimentos de controle pertinentes 38 , sejam eles preventivos ou repressivos. Em qualquer caso, porém, não compete ao Poder Público se substituir ao sujeito para dizer como se sentir diante da medida que considera ofensiva a seus imperativos 35 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. As garantias constitucionais entre utilidade e substância: uma crítica ao uso de argu- mentos pragmatistas em desfavor dos direitos fundamentais. Direitos Fundamentais & Justiça , v. 10, n. 35, p. 345-373, jul./ dez. 2016, p. 359. 36 A relação de uma conduta com a convicção deve ser buscada principalmente na autocompreensão da própria entidade e do sujeito. Como afirmou o Tribunal Constitucional Federal alemão, tratando de entidades religiosas, “o Estado violaria a independência das associações ideológicas e sua liberdade de organização interna conferidas pela Constituição se não considerasse a forma como essas associações se veem quando interpretando a atividade religiosa resultante de uma con- fissão ou credo específico” (BVerfGE 24, 236 (Rumpelkammer). In: KOMMERS, Donald P. The constitutional jurisprudence of the Federal Republic of Germany . Durham: Duke University Press, 1989, p. 449). 37 Nessa linha, o Código de Ética Médica garante o direito dos médicos à objeção de consciência, mas, na ponderação com a vida e a saúde dos pacientes, bem observa que essas últimas devem prevalecer nas situações extremas. V. Código de Ética Médica, Capítulo I (Princípios Fundamentais), item nº VII: “O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente”. 38 Assim, no campo da Medicina, v. DINIZ, Debora. Objeção de consciência e aborto: direitos e deveres dos médicos na saúde pública. Revista de Saúde Pública , v. 45, n. 5, pp. 981-985, out. 2011, p. 984: “O direito à objeção de consciência não constitui passe livre para a recusa de assistência médica. Sua motivação deve ser relevante, estar relacionada à integridade moral do indivíduo e ser razoável para o marco dos direitos humanos. O médico objetor deve justificar a solicitação de recusa de assistência em um caso concreto, por isso a proposta da ‘tese da justificação’. O ônus da justificação cabe ao médico com objeção seletiva de consciência , e é dever da unidade de saúde avaliar sua relevância”.

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