Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019  606 TOMO 2 uma preferência pela solução legislativa do problema, acompanhada de uma deferência à interpretação que prevalecer no processo de formação das leis. Não há, porém, subordinação total da sua eficácia à vontade das maiorias políticas – trata-se, afinal, de uma manifestação da liberdade de consciên- cia 33 . Se a fundamentalidade do direito tem algum sentido mínimo é o de impor aos órgãos do Estado o dever de considerar com seriedade as possibilida- des de acomodação das objeções. 5. Ponderação A objeção de consciência não é uma regra e, consequentemente, não opera segundo a lógica do “tudo ou nada”; trata-se de um princípio que, diante de deveres gerais válidos em tese, exige a acomodação dos dita- mes da consciência individual na medida em que isso seja viável , considerando os limites postos por normas contrapostas e pela realidade de fato. Dessa forma, a efetiva criação de uma exceção em favor dos objetores depende de uma ponderação. O sopesamento deve envolver, de um lado, a intensidade da restri- ção à liberdade de consciência, gerada pela imposição do dever geral àque- le indivíduo; e, de outro, o prejuízo que uma exceção em seu favor poderia produzir para a satisfação dos fins que o dever busca promover. Note-se bem: não se trata de comparar o benefício do cidadão com uma situação hipotética em que todos pleiteassem uma objeção – a universalização da de- cisão é um fim a ser almejado, mas isso se limita ao conjunto específico de pessoas que, em tese, poderiam invocar a objeção nos mesmos termos 34 . A questão tampouco se resume a uma análise fria de custo-benefício em 33 Por isso, não é possível concordar com Fábio Carvalho Leite quando sustenta que “[n]ão se trata [...] de um direito a ser exigido, mas a ser acomodado”, ou que “não é exigível judicialmente”, mas “pode ser construído em sede legislativa ou mesmo na via administrativa” (LEITE, Fábio Carvalho. Liberdade religiosa e objeção de consciência: o problema do respeito aos dias de guarda. In: (Orgs.). A religião no espaço público: atores e objetos. São Paulo: Terceiro Nome, 2012, pp. 167 e 178). Essa qualificação transforma o art. 5º, VIII, da Constituição em letra morta, na medida em que submete a sua eficácia à conveniência das maiorias no Legislativo ou mesmo da Administração. 34 Dessa forma, se um grupo pequeno se recusa, por motivo religioso, a contribuir com a seguridade social, mas tampou- co extrai benefícios do sistema, a exceção nem remotamente prejudica a finalidade legal, que é manter um sistema hígido para quem pode utilizá-lo. Por isso, McConnell e Posner ( Op. cit. , pp. 53-54) criticam o acórdão da Suprema Corte no caso United States v. Lee , 455 U.S. 252 (1982). Nesse processo, discutiu-se a constitucionalidade da incidência de contribuições para a seguridade social sobre os Amish – um grupo bem reduzido de pessoas, que já era parcialmente contemplado por isenções, não admitia fazer uso das prestações da seguridade social e tinha seu próprio modelo de amparo aos idosos. Tudo isso mostra que abrir um pouco mais o leque de exceções não geraria qualquer impacto relevante para o sistema tributário norte-americano. No entanto, a Corte contrapôs à sua pretensão o risco que um modelo de “adesão voluntária geral” poderia produzir para o “amplo interesse público na manutenção de um sólido sistema tributário”.

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