Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
605 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019 TOMO 2 pria finalidade (expressiva ou religiosa) da sua existência. No segundo e no terceiro casos, a obrigação, embora dirigida à pessoa jurídica, haverá de ser cumprida pelas pessoas (naturais) dos seus gestores, tornando-se impossí- vel conciliar sua consciência com o atendimento ao dever previsto na lei 29 . Uma observação antes de prosseguir. O que se vem de discutir é a titularidade do direito à liberdade de consciência – i.e. , a possibilidade de invocá-la contra alguma medida restritiva. O fato de se poder fazê-lo não significa que a autonomia privada deva sempre prevalecer nesses con- textos, mas simplesmente que, havendo incidência da referida liberdade, é preciso promover a necessária ponderação, considerando os dados do caso concreto 30 . 4. Posições jurídicas atribuídas ao sujeito O direito à objeção de consciência, sem dúvida, tem uma dimensão defensiva relevante: ele exige uma abstenção ao determinar que não sejam aplicadas sanções pelo descumprimento do dever legal. Mas há também uma dimensão prestacional envolvida, principalmente do ponto de vista da organização e do procedimento: em alguns casos, seu exercício exige que se defi- na um procedimento justo (não necessariamente judicial) para que o status de objetor e seus efeitos jurídicos sejam reconhecidos 31 . Disso não se extrai que a objeção de consciência esteja submetida ou condicionada à vontade ou à discricionariedade do legislador 32 . Como pode haver muitas alternativas para acomodar a situação de um objetor, há 29 Essa distinção parece ter sido feita, nos EUA, pela U.S. Court of Appeals for the 9th Circuit no caso Stormans, Inc. v. Wiesman , 794 F.3d 1064, 1071 (9th Cir. 2015), cert. denied 579 U.S. ___ (2016). Afirmou-se a constitucionalidade de legislação estadual que proibia as farmácias de se negarem a ter ou entregar medicamentos quando isso contrariasse a convicção de seus sócios. Um dos elementos destacados pelo acórdão foi o fato de que, embora as farmácias não pudessem alegar objeção de consciência, os farmacêuticos em si poderiam – caberia à empresa manter à disposição dos clientes outros farmacêuticos à disposição, no local ou por telefone. 30 A Suprema Corte do Novo México (EUA) se recusou a traçar uma distinção entre profissões “expressivas” ou “cria- tivas” para fins de proteção constitucional. O caso envolvia uma alegação de discriminação por motivo de orientação sexual imputada a uma empresa de fotografia, que se recusara a documentar uma união entre pessoas do mesmo sexo ( Elane Photography, LLC v. Willock , 309 P.3d 53 (N.M. 2013), cert. denied , 134 S. Ct. 1787). Criticando a decisão por não ter considerado o choque entre a liberdade de expressão e a proteção de grupos estigmatizados, v. CONSTITUTIONAL law – First Amendment – New Mexico Supreme Court holds that application of public accommodations law to wedding photography company does not violate First Amendment speech protections. — Elane Photography, LLC v. Willock , 309 P.3d 53 (N.M. 2013). Harvard Law Review , v. 127, pp. 1485-1492, 2014. 31 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Op. cit. , v. 1, p. 616. 32 Afirmação contrária afrontaria a rigidez da Constituição e a vinculação do legislador aos direitos fundamentais. V. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 239.
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