Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
603 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019 TOMO 2 os seus integrantes ou administradores – a ponto de permanecer intacta, ainda que todo o seu quadro societário ou gestor venha a se modificar. Seria uma curiosa subversão admitir que o sujeito e a pessoa jurídica, dis- tinguindo-se em todos os aspectos – inclusive e especialmente quanto à responsabilidade patrimonial –, pudessem fundir-se em uma personalida- de, fazendo da segunda uma extensão do primeiro, apenas para invocar a objeção de consciência 24 . Tudo isso foi acolhido pela literatura no Brasil 25 . No entanto, é possível que o próprio objeto da pessoa jurídica seja a promoção de certos ideais e convicções: isso ocorre, e.g. , com as or- ganizações religiosas e algumas entidades de cunho político, religioso ou ético. Elas existem para auxiliar na realização da liberdade de consciência dos seus integrantes, facilitando e coordenando seus atos. As pessoas se reúnem em torno da mesma orientação, não porque seguem a doutrina da pessoa jurídica, mas porque as convicções de todos se alinham em torno daquelas ideias. Há, em suma, a vivência conjunta de indivíduos cuja orien- tação se aproxima a ponto de todos se identificarem como membros de um mesmo grupo. Nesses casos, negar a tutela da liberdade de consciência às pessoas jurídicas é impedir que seus membros fruam dela integralmente. Nessa linha é que se destacam as entidades de tipo expressivo , cujo fim é a mobilização de discursos protegidos pela Constituição 26 , como os de caráter político, filosófico ou religioso. Elas se diferenciam das instru- mentais ou não expressivas , cujos principais fins têm natureza profissional, assistencial, econômica ou comercial 27 . Mais uma vez, o que importa é o Coimbra, 2000, p. 220. Exigindo que “os direitos fundamentais concretamente a se analisar se harmonizem, na protecção concedida, ao sentido existencial da pessoa colectiva em causa”, v. GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Constitu- cional . v. II. Coimbra: Almedina, 2005, p. 1073. Na Espanha, onde também não há previsão expressa sobre o tema, como no Brasil, o Tribunal Constitucional aplicou o mesmo raciocínio ( STC 137/1985 , FJ 3º). O princípio da especialidade é pacífico também no Direito Internacional, como critério para distinguir as organizações internacionais dos Estados (V. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Legality of the use by a State of nuclear weapons in armed conflict , Advisory Opin- ion, ICJ Reports 1996, p. 66, § 25). 24 Como disse a Justice Ginsburg da Suprema Corte dos EUA, “ao criar uma empresa [...], um indivíduo se separa da entidade e escapa à responsabilidade pelas obrigações desta”, não sendo razoável afastar pontualmente essa separação, apenas no seu próprio interesse, para impor sua convicção religiosa como se ele e a pessoa jurídica fossem a mesma pessoa ( Burwell v. Hobby Lobby , 573 U.S. ___ (2014), at 19, Ginsburg J., diss.). 25 SARLET, Ingo Wolfgang. Teoria geral dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit. , p. 311. 26 FARBER, Daniel A. The First Amendment . 3 rd ed. New York: Foundation Press, 2010, p. 224. 27 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Liberdades. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit. , pp. 307-308; PREUß, Ulrich K., Associative rights (the rights to the freedoms of petition, assembly, and association). In: ROSENFELD, Michael; SAJÓ, András (Eds.). The Oxford handbook of comparative constitutional law . Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 959.
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