Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019  598 TOMO 2 O tema é delicado, mas está longe de ser intransponível. Sem dúvi- da, uma vez que se reconheça o caráter inevitável do pluralismo, não há como exigir que o direito corresponda à compreensão ética de cada um. Contudo, como a autodeterminação pessoal é uma decorrência imediata da igual dignidade de todos, é preciso abrir espaço, tanto quanto possível, para que as pessoas sigam as concepções de vida boa que considerem ade- quadas 5 . O Estado não pode assumir o papel de ditar, afirmar ou refutar verdades éticas; mas mesmo medidas que, em tese, sejam (ou aparentem ser) “neutras” podem ter impactos desproporcionais sobre alguns grupos ou pessoas – e a isonomia exige que esses efeitos sejam considerados com seriedade 6 . Tudo isso conduz à afirmação da objeção de consciência: ao reconhecer que atos abstratamente válidos podem gerar danos específicos para certos indivíduos apenas por causa de suas convicções, o Estado deve agir no sentido de evitá-los ou minimizá-los, na medida em que isso seja viável, restabelecendo, assim, a igualdade 7 . Como o objetivo da objeção de consciência é promover a isonomia, é preciso cuidado para evitar que, a pretexto de acolhê-la, um prejuízo excessivo seja substituído por um benefício injustificado. Ao consagrar a objeção como direito fundamental, a ordem constitucional não confere – nem pode ser interpretada como se conferisse – um tratamento privile- giado a quem tenha certas convicções. A disciplina do tema deve se ater ao limite do necessário para afastar o dano desigual, bem como atentar para que isso não resulte em uma vantagem especial para os envolvidos 8 . 5 Como decidiu a Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça da Costa Rica, a liberdade de consciência “consiste na possibilidade, juridicamente garantida, de acomodar o sujeito, sua conduta religiosa e sua forma de vida ao que prescreva sua própria convicção, sem ser obrigado a fazer algo que a contrarie” ( Sentencia 3173-93 ). 6 PRIETO SANCHÍS, Luis. El constitucionalismo de los derechos. Revista Española de Derecho Constitucional , v. 24, n. 71, pp. 47-72, mayo/ago. 2004, p. 61. 7 ASÍS ROIG, Rafael. Las tres conciencias. In: PECES-BARBA, Gregorio (Ed.). Ley y conciencia: moral legalizada y moral crítica en la aplicación derecho. Boletín Oficial del Estado, 1993 (Monografías Universidad Carlos III), p. 31: “não parece que em um Estado democrático se possam oferecer razões que levem à sua negação [ i.e. , da objeção de consciência] sempre e quando por meio dela não lesione um bem de maior relevância ética”. Em termos jurídicos mais próximos da teoria dos princípios se poderia dizer: ela se justifica sempre que o grau de promoção da liberdade de consciência supere a medida de frustração que a isenção em favor do objetor geraria para os fins estatais. 8 PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão nº 681/1995 . No caso, por apertada maioria, declarou-se a constitucio- nalidade de dispositivo legal que subordinava o reconhecimento da condição de objetor de consciência à expressa declara- ção de disponibilidade para a prestação de serviço alternativo. Um dos pontos destacados pela divergência foi a inversão da ratio constitucional: o serviço alternativo é uma consequência , e não um pressuposto , da condição de objetor, de modo que a recusa à sua prestação não poderia levar à imposição do serviço militar contra os ditames da consciência do indivíduo, mas à aplicação de outras sanções (v. as declarações de voto dos Conselheiros Maria da Assunção Esteves, Luís Nunes de Almeida, Armindo Ribeiro Mendes e Maria Fernanda Palma). A mesma questão se colocou, com idêntico resultado, no Acórdão nº 711/1995 . Para a maioria formada, a exigência garantiria a seriedade do declarante.

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