Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

597  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 596-616, set.-dez., 2019  TOMO 2 Introdução O que fazer quando um dever legal vai de encontro à crença reli- giosa de alguém? Ou à sua convicção ética? Pode-se ver aqui uma ten- tativa de submeter a obrigatoriedade da lei a uma opinião individual – o que poderia erodir a ideia elementar do rule of law . Mas também se deve reconhecer que as orientações religiosas, políticas e filosóficas das pes- soas são uma expressão de sua autodeterminação pessoal e, assim, mani- festações de sua dignidade. Essas são algumas das polêmicas que cercam o tema da objeção de consciência . Lidar com ele é um desafio para o Direito Constitucional – e é como uma pequena contribuição a esse debate que se apresenta este breve artigo 2 . O texto procura endereçar algumas das principais questões en- volvendo a objeção de consciência. Ele se divide em sete tópicos, que discutem: (i) por que tutelar a objeção de consciência; (ii) a disciplina do tema na Constituição de 1988; (iii) quem são os titulares do direito; (iv) as posições jurídicas atribuídas a estes; (v) os elementos que devem ser con- siderados na ponderação; (vi) como respeitar a objeção de consciência; e, por fim, (vii) as dificuldades de se trabalhar com essa ideia no âmbito do serviço público. 1. Por que tutelar a objeção de consciência? Define-se a objeção de consciência como a invocação de uma obrigação ou proibição, fundada na convicção religiosa, política, ética ou moral do indivíduo, como escusa para que este não cumpra um dever imposto por lei. O objetor não põe em questão a ordem política como um todo ou uma instituição, mas simplesmente a viabilidade de ele, em particular, cumprir uma obrigação concreta 3 . Com base em um imperativo de consciência , pede-se uma exceção a um dever geral, cuja validade, em tese, não se discute 4 . 2 A versão editada e adaptada da tese na qual desenvolvi o tema pela primeira vez foi publicada pela editora Lumen Juris, com o título Entre a cruz e a espada: liberdade religiosa e laicidade do Estado no Brasil. 3 SORIANO, Ramón. La objeción de conciencia: significado, fundamentos jurídicos y positivación en el ordenamiento jurídico español. Revista de Estudios Políticos , n. 58, pp. 61-110, oct./dic. 1987, p. 79. Nesse sentido, ela se diferencia das ideias, por vezes aproximadas, de direito de resistência e desobediência civil , que têm um escopo fundamentalmente político (RAWLS, John. Uma teoria da justiça , cit., p. 452 e ss.). 4 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada . 4. ed. rev. v. I. Coimbra: Coim- bra, 2007, p. 616, para quem a objeção de consciência “consiste no direito das pessoas de não cumprir obrigações ou não praticar actos que conflituem essencialmente com os ditames da consciência de cada um”. Segundo o Tribunal Constitu- cional português, a objeção “traduz-se [...] na resistência que a consciência individual opõe a uma lei geral, em virtude de as próprias convicções pessoais impedirem o sujeito de a cumprir” ( Acórdão nº 681/1995 ).

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