Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
561 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 556-595, set.-dez., 2019 TOMO 2 esses instrumentos têm se revelado insuficientes para reduzir o número de ações em curso nos tribunais. Segundo dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça 19 , o número de processos pendentes no Poder Judici- ário aumentou de 60,7 milhões, em 2009, para 79,7 milhões em 2017, um incremento maior que 30% em menos de dez anos. A título de compara- ção, a população brasileira, em 2010, era de aproximadamente 190 milhões de pessoas, e, em 2017, cerca de 207 milhões, um incremento de apenas 9%. Isso significa que, mantidas essas proporções, passados pouco mais de cinquenta anos, haverá um processo judicial por habitante no Brasil. Analisando esse contexto de hiperjudicialização, Alexandre Câmara destaca que, na sociedade contemporânea, de massa, cuja característica é a despersonalização do indivíduo, os interesses são coletivizados 20 . Este indivíduo, então, é forçado pela própria sociedade a ser igual aos demais, dando origem ao fenômeno da indiferenciação. Tal fenômeno, por sua vez, ocasiona o surgimento dos interesses individuais homogêneos, en- tendidos como os decorrentes de origem comum 21 . Nessa classe, estão incluídos os direitos de que são titulares milhares ou milhões de pessoas simultaneamente, como os resultantes de uma falha de fabricação em série de um modelo de veículo popular ou um cálculo equivocado no reajuste de aposentadorias do regime público de previdência, por exemplo 22 . Dessa homogeneidade generalizada resulta a intensiva repetição de demandas no Judiciário brasileiro. Alexandre Câmara ressalta que o pro- cesso coletivo pode ser utilizado como meio para alcançar todos os titu- lares de tais interesses homogêneos, assim como na defesa de interesses difusos e coletivos. Destaca, porém, a ineficácia de tais instrumentos, pois “quando se trata de interesses individuais homogêneos, há, além do núcleo de homogeneidade que os une, uma margem de heterogeneidade que os 19 BRASIL. Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Conselho Nacional de Justiça – Brasília. Em: http://www.cnj.jus. br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf. Acesso em 10/08/2018. 20 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro . 1 a ed., Atlas, São Paulo, 2015, p. 476. 21 BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Art. 81, paragrafo único, inciso III. 22 José Carlos Barbosa Moreira já constatava esse fenômeno logo após a promulgação da Constituição de 1988: “as caracte- rísticas da vida contemporânea produzem a emersão de uma série de situações em que, longe de achar-se em jogo o direito ou o interesse de uma única pessoa, ou de algumas pessoas individualmente consideradas, o que sobreleva, o que assume proporções mais imponentes, é precisamente o fato de que se formam conflitos nos quais grandes massas estão envolvidas, e um dos aspectos pelos quais o processo recebe o impacto desta propensão do mundo contemporâneo para os fenômenos de massa: produção de massa, distribuição de massa, cultura de massa, comunicação de massa, e porque não, processo de massa?”. In Ações Coletivas na Constituição Federal de 1988 . Revista de Processo, vol. 61, Jan. 1991, p. 187, versão digital.
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