Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019  554 TOMO 2 ra que diversas normas que não são materialmente constitucionais - inclu- sive as mencionadas acima - foram incluídas no corpo da constituição, de- vendo se admitir que a sua alteração exigia, de fato, a aprovação de emenda constitucional. Trata-se de reflexo do que se chamou de prolixidade do constituinte, 106 ou, em outras palavras, de processo de “ordinarização” ou de “codificação” da constituição. 107 Ainda que alguém possa ter objeções políticas a emendas consti- tucionais sobre essas matérias, não parece constitucionalmente legítimo se valer da condição de juiz para invalidá-las. 108 Isso porque tais emendas constitucionais não apenas foram aprovadas pela supermaioria de 3/5 (três quintos) dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, em dois turnos de votação (art. 60, p. 2, da CRFB/88), mas pelo fato de a integrali- dade do modelo de Estado do Bem-Estar Social positivado em outubro de 1988 não ser cláusula pétrea. 109 Nada obstante, emenda constitucional que buscasse instituir um Estado mínimo, o qual se demitisse do seu dever de cumprir prestações positivas destinadas a garantir aos indivíduos carentes condições materiais mínimas para uma vida digna, padeceria de inevitável inconstitucionalidade, já que o “mínimo existencial”, elemento nuclear do Estado Social brasileiro, é intangível à mão do constituinte derivado. Pode-se afirmar, em conclusão, que algumas noções expostas pelo libertarianismo, além de constitucionais, podem ser bastante salutares para o direito brasileiro, como, por exemplo, a contundente crítica de que o uso 106 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade das suas Normas – Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira , 4ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 107 Já tivemos a oportunidade de nos manifestar acerca das consequências do aludido processo de ordinarização da cons- tituição no que tange à intensificação do grau de rigidez de um regime constitucional concreto. V. BRANDÃO, Rodrigo. Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas Pétreas . Rio de Janeiro: Renovar, 2008. 108 Advertência similar foi lavrada por James Bradley Thayer, com lastro em voto do Justice Thomas Cooley, em artigo clássico publicado na Harvard Law Review de 1893, que tanto influenciou a doutrina da autorestrição judicial ( judicial self-restraint ), ao delinear, de forma reduzida, o escopo do controle de constitucionalidade das leis, notadamente no que toca à preservação de todas as escolhas legislativas dotadas de racionalidade, nas hipóteses em que a Constituição admitir diferentes interpretações. À guisa de comentário a tal princípio de interpretação constitucional, salienta: “The meaning and the effect of it are shortly and very strikingly intimated by a remark of Judge Thomas Cooley, to the effect that one who is a member of a legislature may vote against a measure as being, in his judgment, unconstitutional; and, being subsequently placed on the bench, when this measure, having been passed by the legislature despite of his opposition, comes fore him judicially, may there find it his duty, although he has in no degree changed his opinion, to declare it constitutional …”. THAYER, James Bradley. The origin and the scope of the American doctrine of constitutional law. Harvard Law Review 129 (1893), p. 606, em cuja epígrafe consta a seguinte frase: “Qualquer escolha que seja racional é constitucional. 109 Por refugir do escopo do artigo, analisou-se tão somente a alegação de que tais emendas violariam a dimensão social do Estado brasileiro, erigida, supostamente, à condição de “cláusula pétrea” pelo constituinte de 1988, demitindo-nos das diversas outras arguições de inconstitucionalidade formuladas em face de cada uma das emendas em exame.

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz