Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019 548 TOMO 2 Porém não se quer sustentar a neutralidade do Estado em relação a questões morais e econômicas, a qual ser inviável diante do seu dever de regular a economia e de estabelecer normas que tornem viável o convívio social. A bem da verdade, as maiorias eleitas democraticamente, através da ação dos Poderes Executivo e Legislativo, podem conferir às leis e aos atos administrativos a feição das suas doutrinas abrangentes particulares, desde que não se imiscuam naquilo que é constitucionalmente estabeleci- do por ser considerado condição mínima de cooperação social (em cujo âmbito se inserem não apenas os direitos a prestações negativas, mas tam- bém os direitos a prestações positivas destinados à satisfação do “mínimo existencial” 98 ), ante o tendencial consenso obtido entre doutrinas abran- gentes e razoáveis acerca do seu teor. Não se pode, portanto, confundir o domínio do que é constitucionalmente obrigatório às maiorias transitórias, daquele que se submete a alterações guiadas por contingências políticas. A doutrina do liberalismo político, restrita à fórmula e às garan- tias do Estado de Direito, situa-se no campo do consenso constitucional. Como asseveram Souza Neto e Mendonça, “no passado, também essa di- mensão (liberalismo político) enfrentava objeções – sobre elas se erigiram os Estados totalitários e autoritários do início do século XX. Hoje, a crítica ao Estado de Direito é residual. O arranjo é apoiado, inclusive, por doutri- nas que se opõem a outras dimensões do projeto liberal. Isso decorre de uma importante característica: o Estado de Direito é um dos elementos centrais da configuração política que permite a cooperação social em um ambiente de pluralismo (o outro elemento é a democracia). Assim é que se pode afirmar que o Estado de Direito, em relação às diversas doutrinas particulares, está circunscrito à esfera da imparcialidade política, podendo ser objeto de adesão estável e generalizada.” 99 98 Mesmo autores liberais (na vertente do liberalismo-igualitário) reconhecem que a garantia de condições materiais mínimas atuaria como pressuposto à efetiva fruição das liberdades civis. Sobre o conceito de “mínimo existencial”, con- ferir RAWLS, John. O Liberalismo Político . Op. cit.; MICHELMAN, Frank. Welfare rights and constitutional democracy. Washington University Law Quaterly , 1979; Id. Constitutional welfare rights and a theory of justice. In: DANIELS, Norman. Reading Rawls: critical studies on Rawls’s theory of justice . California: Stanford University Press, 1989. p. 319/347. Ver, também, ARANGO, Rodolfo. El concepto de derechos sociales fundamentales . Bogotá: Legis, 2005. p. 240 et. seq.; BARCELLOS, Ana Paula. O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy. In: TORRES, Ricardo Lobo. Legitimação dos direitos humanos . Rio de Janeiro: Renovar, 2002; TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania mul- tidimensional na era dos direitos. In: Idem. Teoria dos direitos humanos . Rio de Janeiro: Renovar, 2001; TORRES, Ricardo Lobo. A metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado . Rio de Janeiro: Renovar, 2003; SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais . Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001. 99 SOUZA NETO, Cláudio Pereira; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Fundamentalização e Fundamentalismo na
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