Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019  546 TOMO 2 za: a estabilidade das propriedades, a sua transferência pelo consentimen- to, e o cumprimento das promessas. A justificativa da permanência dessas regras fundamentais de justiça e da adaptabilidade de outras convenções morais menos essenciais é a promoção do bem-estar. Embora tal funda- mentação denote um traço utilitarista em sua teoria moral, cuida-se de um utilitarismo indireto, na medida em que a defesa da noção de utilidade para resolver questões práticas contrasta com os multicitados limites da razão humana. O princípio da utilidade não assume, portanto, uma conotação prescritiva, mas se consubstancia em standard de avaliação do sistema de regras e práticas morais. 92 É bem de ver que Hayek não vislumbra uma oposição entre princípios de justiça e a maximização do bem-estar geral: ao contrário, a salvaguarda de uma estrutura de princípios de justiça consiste em condição indispensável para a promoção do bem-estar geral, desde que tal conceito esteja associado à maximização das chances de um indivíduo anônimo satisfazer finalidades desconhecidas. Assim, a ênfase conferida às tradições jurídicas de uma co- munidade não nos vincula, necessariamente, ao corpo histórico de normas sociais tais quais nós o encontramos, mas admite a sua reforma em ordem a maximizar as chances do “anônimo” realizar as suas finalidades. Além disso, se os indivíduos são livres para usar os seus conhecimentos e recursos em benefício próprio, eles devem fazê-lo num contexto de leis conhecidas. As- sim, mediante a noção de liberdade através da lei, Hayek busca demonstrar a convergência entre justiça e bem-estar geral. 5. O libertarianismo e a Constituição de 1988. As críticas formuladas ao libertarianismo são várias e notórias, cabendo-nos aqui tão somente discutir aquelas que nos parecem mais pertinentes à realidade brasileira. 93 Inicialmente, é bem de ver que, com a crise vivenciada pela metafísica em um mundo desencantado como o atual, parece pouco convincente fundamentar a supremacia absoluta da liberdade como ausência de coerção em face dos demais valores morais, p. ex., na “capacidade de o ser humano fazer planos de longo prazo para 92 GRAY, John., Hayek on Liberty . Op. cit., p. 59. 93 Para uma crítica mais ampla ao libertarianismo conferir DUNCAN, Craig. The Errors os Libertarianism. In: Libertaria- nism: for and against . DUNCAN, Craig; MACHAN, Tibor R. Maryland: Rowman & Littlefield Publishers, 2005, p. 45/65.

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