Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
545 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019 TOMO 2 desviar o direito do seu propósito de corrigir injustiças. Trata-se do triunfo de visões antiliberais (i.e. Hobbes) acerca da soberania, que colocam um corpo soberano acima do direito, tornando os juízes incapazes de conter os avanços de governos arbitrários. 88 Por outro lado, a perspectiva evolucionista que adota confere ao de- senvolvimento e à mudança do direito uma abrangência bastante superior a que os teóricos do direito natural costumam conferir. Nesse viés, afirma que nenhuma lista fechada de direitos fundamentais se compatibiliza com as circunstâncias mutáveis das sociedades, o que se evidencia, p. ex., pelas novas técnicas de comunicação imporem a necessidade de uma releitura do direito à privacidade. 89 Ademais, a ideia de que a liberdade é uma criatu- ra da lei, negando-lhe caráter pré-político, parece afastá-lo definitivamente dos jusnaturalistas e aproximá-lo, paradoxalmente, de um relativismo mo- ral próprio das versões mais radicais do positivismo jurídico. De fato, é recorrente a crítica de que a filosofia política de Hayek não possui, em sua base, um compromisso com a inviolabilidade dos direitos fundamentais. 90 Apesar de a teoria da justiça de Hayek não ser fundada em direitos ( right-based) , tendo, na verdade, natureza procedimental, uso que faz do teste kantiano da universalização não pode ser considerado puramente formal, demarcando, ao revés, um espaço de livre atuação individual. Isto porque ele não se encerra num postulado formal de não discriminação entre casos iguais, mas possui outros dois elementos: o dever de imparcia- lidade em relação aos interesses de todos os envolvidos, e o seu corolário, qual seja, a impossibilidade de impormos a nossa particular visão de vida boa ou digna aos demais indivíduos. Assim, a aplicação do teste kantiano da universalização conduz a uma ordem liberal. 91 Releva notar, contudo, que é a partir da análise da influência exerci- da por David Hume sobre a sua obra que se pode vislumbrar a existência de um “conteúdo mínimo do direito natural”. De fato, Hayek inspira-se em Hume ao afirmar que, em virtude da generosidade e da inteligência limitadas dos seres humanos, e da escassez dos meios para atender a todas as necessidades humanas, são concebidas três leis fundamentais da nature- 88 SCRUTON, Roger. Hayek and conservativism. The Cambridge Companion to Hayek. Op. cit, p. 216. 89 GRAY, John. Hayek on Liberty . Op. cit.p. 68. 90 RAZ, Joseph. The Rule of Law and its Virtue. In: The Law Quarterly Review , 1977, nº 93, p. 195/ 209. 91 GRAY, John., Hayek on Liberty . Op. cit., p. 60/61.
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