Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019  528 TOMO 2 do uso da sua teoria para a condenação de atividades de transferência de recursos encetadas por um Estado mais amplo que o Mínimo, exceto se nenhuma consideração de reparação por injustiças passadas for aplicável. 52 Note-se que, por paradoxal que soe, a aplicação da concepção da justiça na retificação em sociedades marcadas por injustiças históricas na aquisi- ção original da propriedade (nas quais parece se inserir a brasileira) acaba por conduzir a algo muito próximo ao princípio da diferença concebido por Rawls, 53 cujo liberalismo-igualitário, especialmente quando aplicado a países em desenvolvimento, permite a justificação de políticas públicas razoavelmente amplas em favor dos indivíduos mais carentes. Ainda que a justificativa recaia na reparação por injustiças históricas, e não em con- siderações baseadas na efetiva fruição das liberdades, na necessidade ou na igualdade substantiva, tal formulação enfraquece a defesa de que um Estado mínimo é “tanto inspirador quanto certo”, notadamente em socie- dades nem tão bem-ordenadas como a norte-americana, como é caso da brasileira, que convive com uma imensa desigualdade social e com uma crônica captura do poder público por elites econômicas e partidárias. 3. Friedrich August von Hayek: a liberdade em opo- sição às diversas formas de totalitarismo 3.1 Introdução Friedrich August von Hayek (1899-1992) é considerado um dos eco- nomistas e filósofos políticos de maior influência do século passado, ten- do exercido um papel relevante na construção das bases teóricas para o triunfo do capitalismo. Autores cujas obras sobre o conceito de liberdade gozam de enorme destaque nos meios acadêmicos, como, por exemplo, Isaiah Berlin, John Rawls e o próprio Robert Nozick, não produziram o impacto causado pelos trabalhos de Hayek nos meios políticos, especial- mente após a emergência da Nova Direita, com as eleições de Margare- 52 NOZICK, Robert. Op. cit., p. 247/248. 53 Rawls arrola dois princípios de justiça reitores da estrutura básica da sociedade e da divisão equitativa de bens primários: (i) cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para as outras (princípio da igual liberdade); (ii) as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos den- tro dos limites do razoável (princípio da diferença) , e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades). V. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 64.

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