Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
515 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019 TOMO 2 descrição do Estado de Natureza. Nesse particular, rejeita formulações pessimistas como a de Thomas Hobbes, considerando mais proveitoso descrever uma situação de não Estado, na qual as pessoas atuariam em consonância às restrições morais que lhes são aplicáveis. Isso porque, caso após a investigação das potencialidades e dos defeitos da “melhor si- tuação anárquica que poderíamos razoavelmente esperar”, conseguirmos demonstrar que o governo civil a supera, e que pode surgir sem violações aos direitos naturais dos indivíduos, obteríamos um fundamento racional sólido à existência do Estado, e o justificaríamos. 31 Neste ponto, embora Nozick haja afirmado seguir “a respeitável tradição de Locke”, 32 na medida em que considera haver uma convergên- cia entre a sua filosofia política e o conceito que Locke dá ao Estado de Natureza, é possível perceber que Nozick confere à crítica do anarquismo individualista uma importância muito maior do que Locke. A propósito, salienta que a questão fundamental da filosofia política é saber se o Es- tado deve, ou não, existir, saber por que não temos a anarquia, já que os indivíduos gozam de direitos naturais à vida, à liberdade, à propriedade, e à autodefesa. Nesse viés, assevera que, antes de defender-se a pertinên- cia da instalação do governo civil em razão das conhecidas deficiências do Estado de Natureza na administração imparcial da justiça, como o faz Locke, devem ser investigados todos os acordos voluntários que as pessoas poderiam fazer no Estado de Natureza com vistas a superar tais problemas. Note-se que, caso todos consentissem expressamente com a criação do Estado, o alvitrado problema sequer se colocaria. Entretanto, é difícil conceber um consenso expresso de todos os cidadãos a respeito da criação de um Estado. A questão tende a complicar-se, transformando-se num sério problema teórico, quando alguém se recusa expressa, tácita, ou mesmo hipoteticamente, a consentir com a criação do Estado, preferindo valer-se do seu “direito natural” a autodefesa a utilizar-se dos serviços de proteção estatal. A resposta de Locke é assaz conhecida: embora o consenso ex- presso universal seja inviável, a reconciliação entre autonomia individual e governo civil se faz através de um consenso tácito, fundado na conveni- ência de um juiz imparcial zelar pela aplicação das leis naturais, evitando 31 NOZICK, Robert. Op. cit., p. 20. 32 Ibid., p. 23.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz