Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

509  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019  TOMO 2 clara e intensa, o direito à integridade física daquele que fora compelido a “ceder” o seu globo ocular. Nozick afirma que a impossibilidade de sacrifício dos direitos de uns para a satisfação de necessidades alheias não se aplica apenas às chamadas liberdades existenciais, mas também às liberdades econômicas, (i.e.: ao di- reito de propriedade), visto que ambas são consideradas direitos naturais. Daí afirmar que, mesmo que uma pessoa não tenha condições materiais de adquirir os alimentos necessários à sua subsistência, da sua necessidade não decorre que possa legitimamente exigir que outro indivíduo divida com ela os alimentos que tem de sobra. Tal pretensão só se afiguraria possível caso se extraísse do direito à vida uma dimensão positiva, prestacional, no sentido de que o seu titular poderia exigir que um indivíduo, ou mesmo a coletivi- dade, disponibilizasse o bem de que necessita. Entretanto, para Nozick tais direitos prestacionais só podem legitimamente advir de obrigações volun- tárias firmadas entre credor e devedor, como, por exemplo, de um contra- to firmado entre paciente e médico, no qual este se compromete perante aquele a adotar em seu favor determinados tratamentos. O único direito não contratual que o indivíduo tem é a garantia de que a sua vida, liberdade e propriedade não serão prejudicadas por um ato coercitivo de outro indiví- duo (v.g.: homicídio, sequestro ou roubo) ou do Estado (i.e.: tributação, que, ao seu ver, assemelha-se ao trabalho forçado). 23 Assim, os indivíduos só podem exigir dos demais, independente- mente da sua manifestação volitiva, o cumprimento de deveres de não in- terferência, é dizer, deveres de abstenção com o escopo de resguardar um âmbito de livre atuação individual. Os direitos fundamentais assumem, portanto, um caráter essencialmente negativo, autorizando apenas que se exija que os demais indivíduos se demitam de atitudes que interfiram na fruição do respectivo direito. Disso se infere a impossibilidade da verificação de uma efetiva colisão de direitos naturais , fenômeno que se revelaria inevitável caso fossem reconhecidos direitos negativos e positivos. Explica-se recor- rendo, novamente, à dimensão prestacional do direito à vida: se reconhe- cermos que um indivíduo carente tem direito de exigir que alguém mais abastado divida com ele os alimentos que não utilizará, haverá inevitável conflito entre o direito ao fornecimento de alimentos e o direito de pro- priedade incidente sobre tais bens. Caso, entretanto, somente sejam conce- 23 Ver item 2.4.

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