Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019 498 TOMO 2 de indivíduos criado para a proteção dos seus “membros”. De acordo com a perspectiva do contrato social, o Estado “é justificado como o resultado de um acordo entre indivíduos inicialmente livres que convencionam esta- belecer os vínculos estritamente necessários a uma convivência pacífica e duradoura.” 7 Assim, segundo a concepção individualista, primeiro existe o indivíduo com os seus interesses, que adquirem o status de direitos naturais, e depois a sociedade, de maneira que o Estado não mais é considerado um fato natural, existente independentemente da vontade dos indivíduos - como um organismo vivo -, mas algo criado artificialmente pelos indivíduos para a satisfação dos seus interesses – como se fosse uma máquina. Note-se que a versão liberal da teoria individualista afirma tratar o indivíduo como adulto, ou seja, como agente capaz de tomar decisões morais: daí extrair o indivíduo do corpo orgânico e fixar um amplo domínio - delimitado, apenas, por igual direito alheio - no qual deve prevalecer a atuação do indivíduo segundo as suas próprias convicções, afastando-se, pois, a incidência de normas estatais de caráter coercitivo nesse âmbito. Saliente-se, por outro lado, que uma das características mais mar- cantes das sociedades contemporâneas é o fato do pluralismo, pois, em regimes pautados pela liberdade parece natural que as pessoas tenham diferentes concepções de vida boa e que divirjam sobre questões mo- rais, filosóficas, religiosas, econômicas, etc. Uma reação a tal fenômeno é o perfeccionismo, segundo o qual a tarefa precípua da filosofia política consistiria no delineamento de um desenho institucional, embasado em determinada doutrina moral, que favoreça o aperfeiçoamento da nature- za humana. Por exemplo, Marx propunha o pleno desenvolvimento do potencial do ser humano através do socialismo; as religiões teocráticas oferecem como resposta a tal dilema a união de todo o povo num único entendimento a respeito da sua relação com Deus; os filósofos comuni- taristas aludem a valores compartilhados pela comunidade, que forjam a própria identidade dos indivíduos. 8 Já os liberais, para além de reconhe- cerem como inevitável o fato do pluralismo, afirmam que não se afigura legítimo que o governo imponha uma determinada concepção de vida boa aos indivíduos. Ao contrário, os indivíduos devem ser livres para viver de acordo com a doutrina moral de sua eleição, cabendo ao Estado tão 7 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. p. 14. 8 BOAZ, David. Libertarianism . p 105/106.
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