Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 2

497  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 2, p. 494-555, set.-dez., 2019  TOMO 2 tudo, somente as pessoas podem ser responsabilizadas por seus atos. Não são olvidados os benefícios trazidos pela possibilidade de os indivíduos interagirem entre si: trata-se do próprio fundamento da criação da socie- dade civil e de um sistema institucionalizado de direitos, como salientado há muito por próceres do liberalismo, como Locke e Hume. Apenas se quer salientar que a sociedade é composta por indivíduos, não sendo um organismo dotado de existência própria; ao revés, o verdadeiro propósito da sua criação é a proteção e a promoção do bem-estar do indivíduo. A base ética ou normativa individualista do libertarianismo vincula-se preci- samente a esse objetivo específico da instituição do Estado, revelando-se, de forma precisa, através da segunda formulação do imperativo categórico kantiano: todo e qualquer indivíduo, independentemente da sua função social, deve ser tratado como um fim em si mesmo, nunca como um meio para a satisfação de necessidades coletivas. 4 Para melhor compreensão do individualismo, mister se faz contras- tá-lo com tese que se situa no extremo oposto no espectro da filosofia política, qual seja o organicismo, base teórica de diversas formas de cole- tivismo. O organicismo vê o Estado como “um grande corpo composto de partes que concorrem - cada uma segundo sua própria destinação e em relação de interdependência com todas as demais – para a vida do todo, e portanto, não atribui nenhuma autonomia aos indivíduos uti singuli”. 5 Tal tese foi formulada, de forma definitiva, por Aristóteles, segundo a máxima de que o todo precede necessariamente à parte, de modo a considerar o Estado uma totalidade anterior e superior aos indivíduos. Não se concede, portanto, nenhum espaço a esferas de atuação individual independentes do todo, nem se reconhece uma clara distinção entre as esferas pública e privada. Ao contrário, o organicismo se funda numa concepção descen- dente de poder: “difícil imaginar um organismo em que sejam os mem- bros a comandar, e não a cabeça”. 6 O individualismo, contudo, considera o Estado como fruto das rela- ções estabelecidas entre indivíduos isoladamente considerados, não tendo, portanto, uma existência própria, mas sendo compreendido como conjunto 4 V. KANT, Emmanuel. Fundamentação à Metafísica dos Costumes . Trad: Paulo Quintela. In: Os pensadores: Kant (II). São Paulo: Abril Cultural, 1980. 5 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 45/46. 6 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 46

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