Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

93  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t.1, p. 87-120, set.-dez., 2019  TOMO 1 Para isso, é necessário criar condições para tornar operativo o consenso teórico de que “a prisao, em primeiro lugar, deve ser considerada como ultima ratio , como violencia estatal inigualavel, utilizada exclusivamente para situaçes de extrema- da necessidade” 8 . A redução do grau de encarceramento não depende apenas da modificação do quadro legislativo. Ajustes no modo de aplicação das leis penais – acompanhados de intervenções pontuais do STF no controle de constitucionalidade incidente sobre essas leis – podem produzir impor- tante impacto na contenção do hiperencarceramento brasileiro. Nesse campo, a jurisdição constitucional pode exercer um importante papel racionali- zador do sistema penitenciário, não apenas por meio da determinação de realização de atividades materiais por parte do Poder Executivo, mas tam- bém, e principalmente, por meio do controle incidente sobre o modo de aplicação das leis penais pelos juízes. Embora o direito constitucional tenha dado maior importância nos últimos anos à atuação do Poder Judiciário no controle das omis- sões administrativas do Estado – e.g. , no âmbito da construção de presídios e do investimento na estrutura dos presídios existentes –, tem crescido a compreensão de que os juízes criminais têm enorme parcela de responsabilidade pela explosão carcerária no Brasil. Tal percepção foi traduzida com precisão pela petição inicial da ADPF 347, que dirigiu a maior parte dos pedidos à correção da interpretação dada às leis penais pelos magistrados 9 . Infelizmente, nenhum desses pedidos foi acolhido pelo STF na apreciação dos pedidos cautelares 10 . Os aportes teóricos 8 SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo.  Finalidades da pena, conceito material de delito e sistema penal integral . 2008. Tese (Doutorado em Direito Penal) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 257. 9 Para um resumo dos pedidos formulados na ADPF 347, v. GLEZER, Rubens; MACHADO, Eloísa. Decide, mas não muda : STF e o Estado de Coisas Inconstitucional. Por que a decisão do Supremo na ADPF 347 não alterará o quadro do sistema carcerário? Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decide-mas-nao-muda-stf-e-o- -estado-de-coisas-inconstitucional-09092015>. Acesso em: 23 dez. 2018. 10 Como ressaltaram Rubens Glezer e Eloísa Machado, “não foi acatada nenhuma medida cautelar voltada a lidar com as decisões judiciais de encarceramento, parte crucial do problema. Ministros como Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes – ambos com experiência significativa na presidência do CNJ – reconhecem na cultura punitiva do Judiciário a fonte primordial para a crescente superpopulação car- cerária e, consequentemente, para o ‘Estado de coisas inconstitucional’. Esse diagnóstico serviu de subsídio para outras falas assertivas, como a do Ministro Luiz Fux, de que o STF deveria dar diretrizes enfáticas aos demais magistrados do sistema Judiciário. Estas falas, porém, estão desacompanhadas de autoridade. Os ministros, ao se negarem de criar ou fazer valer qualquer mecanismo de controle sobre a atividade dos juízes, como a Reclamação direto ao tribunal ou a possibilidade de apreciar as liminares contra liminares negadas em habeas corpus, transformaram uma decisão judicial em um mero aconselhamento. Em síntese, o Supremo reconhece que o Judiciário é parte do problema. Mas, ao não adotar medidas mais severas para a reversão das decisões de aprisionamento provisório, não faz parte da solução. Ao deferir algumas cautelares sem conceder nenhuma daquelas dirigidas aos juízes, o potencial de mudança estrutural da decisão foi anulado. O Ministro Marco Aurélio alertou o Tribunal de que a decisão estaria esvaziada, sem sorte. Se algo mudou, foi o fato de que o STF perdeu a chance de criar seu próprio grande precedente de direitos humanos” . V. GLEZER, Rubens; MACHADO, Eloísa. Decide, mas não muda : STF e o Estado de Coisas Inconstitucional. Por que a decisão do Supremo na ADPF 347 não alterará o quadro do sistema

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