Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 36-54, set.-dez., 2019  42 TOMO 1 3. SINAIS DE UM NOVO PROCESSO PENAL A democracia no Brasil e, por tabela, nossa persecução penal, ainda é um processo em construção, mas os ganhos são perceptíveis e substanciais. Com efeito, até 1988, tínhamos uma estrutura e um funcionamento da justiça criminal que passava longe de um modelo compatível com o que se deveria esperar de qualquer nação que batia às portas do século XXI. A ação penal, embora predominantemente pública, podia, em hi- póteses que a lei indicava, ser iniciada por simples portaria da autoridade policial ou do juiz, ou ainda pelo próprio Auto de Prisão em Flagrante do suspeito, algo que, à evidência, subvertia a ideia da imparcialidade judicial ou, quando menos, da necessária existência de uma acusação formalizada pelo titular da ação penal. Esses processos, chamados judicialiformes, re- fletiam bem a tradição brasileira de privilegiar a Polícia e o Judiciário como protagonistas da persecução penal, como salientado linhas atrás. 2 A prisão processual ou cautelar, por sua vez, não era caracterizada pela marca da excepcionalidade, porquanto, ainda que já revogado, desde 1967, o permissivo legal que impunha a prisão pela simples natureza mais grave do crime, a praxe judiciária era tímida na concessão de liberdade provisória a investigados e réus em processos criminais. Uma das razões para tanto era a ausência de percepção clara de que a liberdade deveria ser a regra enquanto pendia o processo penal. Uma possível justificativa para tal comportamento se poderia creditar ao fato de que a presunção de inocência – ou de não culpabilidade, na expressão utilizada pelo Consti- tuinte – até então não era positivada em nossa história constitucional, o que dificultava sua incorporação ao agir judicial. Sobre o acesso à justiça criminal por parte da grande clientela do sis- tema punitivo – a população economicamente pobre –, pode-se dizer que era ele muito limitado, não tanto por ausência de instrumentos legais, mas, sobretudo, por absoluta falta de investimento estatal na criação e na manu- tenção de serviços de assistência judiciária gratuita, o que somente começou a ser corrigido com a criação da Defensoria Pública e sua elevação a órgão essencial ao funcionamento da Justiça pela Constituição de 1988. 2 Essa promiscuidade de funções judiciais e policiais já merecera severa crítica em 1866 pelo então Ministro da Justiça José Thomaz Nabuco de Araújo, que, em proposta legislativa apresentada ao Parlamento, afirmava ser “incontestável a necessidade da supressão do procedimento oficial: sabeis que não se podem combinar bem os dois caracteres de autor e juiz do mesmo processo” (NABUCO, 1997, p. 641).

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz