Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
39 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 36-54, set.-dez., 2019 TOMO 1 atual, com as conquistas ocorridas após a Constituição de 1988, contrasta- das com a tradição autoritária que predominou ao longo de nossa história, caminha para firmar-se como um processo penal democrático, como mais adiante veremos. 1. A CRESCENTE DEMOCRATIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL A história das civilizações mostra uma crescente racionalização do poder punitivo do Estado, retirado progressivamente das mãos da vítima ou da comunidade afetada pelo crime (vingança privada e/ou social), com o propósito de substituir o sentido de vingança pelo sentido de retribuição ou de resposta punitiva do Estado ao desvio de comportamento. Em ver- dade, “o Direito Penal nasce não como desenvolvimento, mas, sim, como negação da vingança ” (FERRAJOLI, 2002, p. 269). É a partir da Inquisição medieval e das monarquias absolutistas pre- sentes na Idade Moderna que se estabelece certo padrão na resposta pu- nitiva, até então marcado pela crueldade das sanções e pelo autoritarismo, pessoal e institucional, na condução das investigações, dos processos e dos julgamentos. Enquanto mero suspeito de um desvio de conduta, o indivíduo en- contrava-se totalmente à mercê das autoridades oficiais (ou mesmo de par- ticulares) e gozava do status de simples objeto de investigação e de punição. Felizmente, esse modelo agonizava e, “no fim do século XVIII e começo do XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai-se extinguindo” (FOUCAULT, 1996, p. 14). Foi preciso chegar à maré das ideias iluministas para inaugurar-se uma nova era do Direito Criminal, em que a atividade punitiva do Estado passa a vincular-se a valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, motes da Revolução Francesa, no final do século XVIII. A liberdade jurí- dica assume lugar de destaque na pauta das nações centrais, sujeitando-se a sacrifício apenas em casos expressamente previstos e mediante a obedi- ência a regras forjadas pelas progressivas conquistas civilizatórias. Progressivamente, portanto, a persecução penal passa a alinhar-se aos postulados inerentes a um Estado Democrático de Direito e se con- figura não mais como “um mero instrumento de efetivação do Direito Penal, mas, verdadeiramente, um instrumento de satisfação de direitos
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