Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
37 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 36-54, set.-dez., 2019 TOMO 1 INTRODUÇÃO O curso da história, sobretudo a mais recente, indica uma ten- dência irreversível – ainda que desmentida em alguns países, por razões pelas quais não cabe aqui incursionar 1 – de substituir modelos de justiça criminal em que a preocupação maior do aparato repressivo não seja tan- to o rígido controle social pelo Direito Penal, mas antes a proteção do indivíduo contra os abusos e os excessos punitivos do Estado (SUNG, 2006, p. 314). Em verdade, dificilmente se poderá atribuir o adjetivo de democrá- tico a um processo penal que sirva a propósitos exclusivamente represso- res, porquanto: [...] en la tradición liberal-democrática, el derecho y el proceso penal son instrumentos o condiciones de “democracia” sólo si en la medida en que sirvan para minimizar la violencia punitiva del Estado, y constituyen por tanto – antes que un conjunto de preceptos destinados a los ciudadanos y de limitaciones im- puestas a su libertas – un conjunto de preceptos destinados a los poderes públicos y de limitaciones impuestas a su potestade punitiva: en otras palavras un conjunto de garantias destinadas a asegurar los derechos fundamentales del ciudadano frente al arbítrio y el abuso de la fuerza por parte del Estado (FERRA- JOLI, 1988, p. 3). Há, sem dúvida, em qualquer processo penal que se possa adjetivar de democrático, um conjunto mínimo de princípios e regras, com peque- nas variações, voltadas predominantemente para a proteção do indivíduo, porquanto, em uma democracia substancial, avessa ao expansionismo do Direito Penal e às tentações do uso simbólico e midiático desse ramo do Direito, a liberdade é maximizada e o poder de punir minimizado (ME- DEIROS; SILVA NETO, 2010). 1 Não há como deixar de pensar nos Estados Unidos da América, que, muito embora possa merecer o título de berço da democracia moderna, ostenta dados assustadores no campo da punição criminal. Esse paradoxo, bem explorado, inter alia , por LOÏC WACQUANT (1999 e 2000) não se estende, a nosso ver, ao processo penal praticado em suas cortes, onde se costuma assegurar ao acusado direitos que em outros povos centrais ainda se mostram reticentes (de que são exemplos o direito a não se autoincriminar e o direito à exclusão da prova ilícita). É dizer, se o Direito Penal estadunidense é extre- mamente invasivo e rigoroso, o Direito Processual Penal concretizado pelos tribunais e, em particular, por sua Suprema Corte – notadamente a partir da Warren’s Court – tem servido de parâmetro para a sedimentação de certos direitos e garantias do acusado no mundo todo.
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