Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1

307  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019  TOMO 1 em desarmonia com a forma prescrita a respeito de tema sensível ao pacto constitucional, que é a forma federativa de Estado. Esse quadro de inconstitucionalidade sistêmica pode ser imputa- do a uma pluralidade de agentes – ao Congresso Nacional, por omissão, às Assembleias Legislativas, por ação – tendo, ainda, a propensão a se convolar em novas inconstitucionalidades, oriundas da organização dos municípios irregulares. Embora essa situação tenha sido atenuada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 57/08, que convalidou os municípios criados até 31 de dezembro de 2006, a inconstitucionalidade persiste, já que a emenda nada dispôs em relação ao futuro 71 . A situação já se prolonga por quase 20 anos. Evidentemente, a organização do Estado é uma das dimensões nucleares das Constituições ocidentais herdeiras das revoluções liberais, razão por que essa manifestação de inefetividade gene- ralizada não deve ser menosprezada. Em vista das ideias que desenvolvemos ao longo desse artigo, propo- mos dois conceitos operacionais. A inconstitucionalidade pode ser defini- da como a relação de incompatibilidade entre condutas ativas ou omissivas dos entes estatais ou dos particulares com a Constituição. A inconstitucio- nalidade sistêmica, por seu turno, é a violação de normas constitucionais em múltiplas dimensões, envolvendo um conjunto de ações institucionais, omissões e violações abrangentes e enraizadas. A inconstitucionalidade sistêmica, em certos cenários, pode ser entendida como o reconhecimento da existência de espaços vazios de constitucionalismo, aproximando-se as figuras do costume inconstitucional e da anomia 72 , porquanto não raro se estabelece com o apoio tácito das maiorias sociais. Por fim, vale abordar quais seriam os meios processuais mais in- dicados para sanar as inconstitucionalidades sistêmicas. Em princípio, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é o meio pro- cessual indicado para provocar a jurisdição constitucional nas situações 71 Antes da promulgação da Emenda Constitucional, o STF já sinalizava por soluções conciliatórias, mediante a decla- ração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, fixando prazo para que o Congresso Nacional disciplinasse a questão, de forma a prestigiar o princípio da segurança jurídica. Neste sentido, v. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.689. Tribunal Pleno, Relator Ministro Eros Grau, julgado em 10 mai. 2007, DJ 29 jun. 2007. Foi aprovado Projeto de Lei no Congresso Nacional a respeito do tema, porém este foi vetado pela Presidên- cia da República. V. Mensagem de Veto nº 505/2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2013/Msg/Vet/VET-505.htm>. Acesso em: 02 dez. 2015. 72 Nos dizeres de Giorgio Agamben, a anomia que resulta da suspensão do direito é o estado de exceção, isto é, um espaço vazio de direito. AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção . São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 78-9.

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