Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019 306 TOMO 1 certa similaridade nas realidades dos dois países. Em verdade, observa-se até mesmo um salutar e inédito movimento de apreciação da produção dos países vizinhos, que possuem realidades mais parecidas com a nossa do que aquelas dos usuais exportadores de ideias constitucionais. Porém, na linha do processo de antropofagia constitucional a que nos referimos, entendemos que uma reflexão se impõe. Não seria preferível repensar o próprio conceito de inconstitucionalidade que deflui da Carta de 1988 de forma mais ampla, sem nos vincularmos aos cânones construídos pela Corte colombiana? Se a inconstitucionalidade é um fenômeno que pode muitas vezes se manifestar de forma sistêmica e multidimensional, é pos- sível intuir que o conceito de inconstitucionalidade terá, em muitos ce- nários, alcance mais amplo que a própria ideia de um estado de coisas inconstitucional. E, para além desse ponto, nosso sistema de controle oferece múltiplas ferramentas para a correção das inconstitucionalidades sistêmicas. Enquanto na Colômbia a construção da noção de um estado de coisas inconstitucional foi necessária para conferir caráter objetivo, abstrato e transcendente às decisões da Corte nas tutelas individuais idealizadas para produzir efeitos inter partes , no Brasil já existem variadas ferramentas processuais que permitem a adoção dessas mesmas medidas com base na própria noção de inconstitucionalidade, que, em diversos casos, assume caráter sistêmico. Seguindo essa linha de raciocínio, quando sistêmica e multidimensional a inconstitucionalidade, os remédios judiciais poderão, naturalmente, envolver providências que ataquem as causas estruturais e alcancem todas as dimensões do fenômeno. Assim, se é certo que violações abrangentes, intensas e estruturais de direitos fundamentais são as mais importantes e justificarão, na linha do que se afirmou antes, intervenções mais acentuadas do poder Judiciá- rio, não se deve descartar a possibilidade de haver inconstitucionalidades sistêmicas que envolvam comandos outros além das normas de direitos fundamentais. Um exemplo que ajuda a ilustrar a questão é o conhecido caso de ausência de lei complementar que, a teor do que determina o art. 18, § 4º, da CRFB/88, disponha sobre a criação incorporação, fusão e desmembramento de municípios. A despeito do vazio normativo, diversos municípios foram criados, ou passaram por mutações como as descritas, provocando uma expansão desordenada e irregular do Estado brasileiro,
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz