Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
295 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019 TOMO 1 encerra a ideia de que há um amplo feixe de ações normativas e materiais que a constituição impõe aos poderes públicos, de modo que a superpo- sição e variedade de comportamentos inconstitucionais advêm da própria compreensão do que a ordem constitucional ordena. Considerado esse panorama, a recente decisão da ADPF nº 347, que postula a intervenção do Judiciário no calamitoso e flagelante sistema carcerário brasileiro, pode ser entendida como um ponto culminante do reconhecimento da inconstitucionalidade como fenômeno multidimen- sional. O Tribunal, nesse julgamento, promoveu a importação do conceito de estado de coisas inconstitucional, há quase duas décadas empregado pela Corte Constitucional da Colômbia. A afirmação da existência de um estado de coisas inconstitucional surgiu na jurisprudência colombiana em 1997 (sentença SU-559), quando foi apreciada a omissão estatal em garantir direitos previdenciários aos professores municipais. No precedente, a Corte reconheceu que havia um quadro mais amplo, que ia além do pedido dos litigantes, reconhecendo que uma série de falhas estruturais confluía para a existência de um estado de coisas inconstitucional . Assim, impôs a correção da inconstitucionalidade aos outros municípios em situação semelhante, determinando que fosse sanada, em prazo razoável, a situação de todos os docentes. A fundamen- tação da intervenção judicial nas políticas públicas se apoiou no art. 113 da Constituição colombiana, que contempla a divisão de poderes e determina que os ramos do Estado “colaborem harmonicamente para a realização de seus fins”. Aparece ainda na fundamentação o reconhecimento da dimen- são objetiva dos direitos fundamentais. A categoria permitiu à Corte Constitucional atribuir efeitos obje- tivos e gerais às decisões tomadas em pedidos de tutela individual com aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de “adversário” para uma função de guardião desses direitos. É fácil ver que a ideia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica. Assim, ainda que não se reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente, a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Utilizando-se da expressão de Canaris, pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote)” . (grifamos). BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 96.759, Segunda Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 28 fev. 2012, DJe 12 jun. 2012.
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