Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019 292 TOMO 1 pertinente para ilustrar que, por vezes, a omissão legislativa é apenas uma faceta de um fenômeno muito mais amplo, que configure uma inconstitu- cionalidade sistêmica, ou o que, recentemente, foi denominado pelo STF de estado de coisas inconstitucional 42 . Essa questão nos conduz ao estudo das dimensões não normativas da inconstitucionalidade omissiva. Como introdução a esse tema, contudo, é indispensável tratar de formas mais consagradas de omissões inconstitu- cionais não normativas. III.3. Omissões inconstitucionais não normativas Como mencionamos anteriormente, não são poucas as conceitua- ções doutrinárias de omissão inconstitucional que incorporam dimensões não normativas, apesar de aprofundarem apenas o exame das omissões normativas. Esse ponto está ligado à afirmação da Constituição como or- dem fundamental não apenas do Estado, mas da sociedade como um todo. Na jurisprudência nacional, um exemplo do processo de reconheci- mento das omissões não normativas é a progressiva judicialização dos di- reitos sociais. O STF já admitiu expressamente que as políticas públicas de implementação dos direitos fundamentais podem ser apreciadas em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão 43 . Isso põe em xeque a com- preensão predominante sobre os processos objetivos, segundo a qual estes encerrariam apenas o exame da ordem jurídica abstratamente considerada. pgr.mpf.mp.br/conheca-o-mpf/procurador-geral-da-republica/informativo-de-teses/informativo-no-3-de-25-06-2015/ docs/ADO-26.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2015. 42 O reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional sobre a homofobia e transfobia no Brasil tornaria possível ao STF lançar mão de um arsenal mais complexo de mecanismos decisórios do que um simples apelo ao legislador. Neste sentido, não se pode deixar de cogitar da coordenação pelo STF da adoção de outras providências, de caráter norma- tivo – respeitada a reserva de lei absoluta para a cominação de novos tipos penais – e material, de modo a se superar esse grave estado de inconstitucionalidade. Ilustrativa dessa hipótese seria a determinação de formulação de políticas públicas voltadas a promover campanhas educacionais de combate à homofobia em escolas e instituições públicas, bem como destinadas ao combate da discriminação desses grupos no mercado de trabalho, dentre outras medidas, devendo a implementação desse arsenal ser monitorado pelo judiciário. Essa nos parece a solução que melhor concilia o mandamen- to constitucional de proteção aos direitos fundamentais com a necessidade de observância a salvaguardas do princípio democrático e do estado de direito, reservando-se um espaço em que cabe exclusivamente ao legislador a superação da in- constitucionalidade. Tendo em vista as limitações da ADO, essa solução demandaria o recebimento da ação como ADPF, em aplicação do entendimento da Corte de fungibilidade entre as ações de controle objetivo de constitucionalidade. Entendemos que a observação conserva a pertinência mesmo após o julgamento, tendo em vista, ademais, as limitações dos instrumentos do direito penal na conformação da realidade social. 43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1698. Tribunal Pleno, Relatora Ministra Cár- men Lúcia, julgado em 25 fev. 2010, DJe 16 abr. 2010: “há possibilidade, sim, de a Constituição ser descumprida por uma omissão em relação a políticas públicas que são exigidas das entidades do Poder Público”.
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