Revista da EMERJ - V. 21 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2019 - Tomo 1
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, t. 1, p. 272-314, set.-dez., 2019 282 TOMO 1 tucional equivale ao preenchimento de lacuna, o que pode ser realizado através da extração da norma faltante de um princípio geral contido na Constituição 19 . Ruiz, de forma similar, identifica as omissões legislativas in- constitucionais com as lacunas, defendendo, entretanto, que estas podem, a depender do contexto normativo, ser ou não colmatáveis 20 . Inegavelmente, não é cabível falar em uma identidade absoluta entre lacunas e omissões inconstitucionais normativas. Ilustrativo dessa asserti- va é a constatação de Larenz no sentido de que toda lei é lacunosa, já que nenhum diploma contém soluções para todo e qualquer caso que deman- de disciplina jurídica e que seja atribuível ao seu âmbito de regulação 21 . A equiparação desse atributo, inerente à indeterminação do Direito, com o fenômeno das omissões inconstitucionais, como se toda lei imperfeita contivesse omissões inconstitucionais, demandaria a adoção de um diri- gismo constitucional extremo, ou a adoção de uma visão da Constituição como se esta tudo regulasse – o que Alexy denominou de Constituição como ordem fundamental em sentido quantitativo 22 . Tal entendimento amesquinharia de forma inaceitável o princípio democrático, pois esvazia- ria a liberdade de ação do legislador. 19 CRISAFULLI, Vezio. La Corte Costituzionale ha Vent’Anni. In: OCCHIOCUPO, Nicola. La Corte Costituzionale tra Norma Giuridica e Realtà Sociale : Bilancio di vent’anni di attivitià. Bologna: Il Mulino, 1978, p. 84. 20 RUIZ, Maria Angeles Ahumada. El control de constitucionalidad de las omisiones legislativas. Revista del Centro de Estudios Constitucionales , n. 8, 1991, p. 178. 21 LARENZ, Karl. Metodologia ..., op. cit., p. 519. 22 A ideia da Constituição como ordem fundamental do Estado e da sociedade é amplamente acatada, mas também muito criticada. De um lado, ela encerra a noção de vinculatividade e estabilidade da constituição, bem como sua qualidade de pilar axiológico da comunidade. Todavia, há críticas importantes a essa concepção, elaboradas por teóricos que entendem que, de um lado, deve ser reservado um espaço maior às instâncias de representação tradicional (Executivo e Legislativo) e, de outro, uma constituição abrangente traz embutida um aumento no poder judicial. Nesse sentido, Forsthoff critica o entendimento da constituição como um “ovo jurídico originário”, da qual provém desde o Código Penal até a legis- lação sobre termômetros. Já Böckenförde demonstra preocupação com a ascensão do Judiciário, afirmando que, caso a constituição seja entendida como ordem fundamental de valores vinculantes, a liberdade estaria subordinada aos que detêm o monopólio da sua interpretação, abrindo as portas para uma forma de totalitarismo constitucional. Alexy, adotando uma posição que busca conciliar vinculação constitucional e liberdade legislativa, rejeita as críticas de Böckenförde e Forsthoff. Segundo o autor, a constituição pode ser vista como uma ordem-fundamento no sentido atribuído por Böckenförde se en- tendermos que ela encerra todas as ordens e possibilidades de conformação da ordem jurídica. Se isso fosse verdadeiro, seria válida a ironia do “ovo jurídico originário”, a que se refere Forsthoff, e o legislador estaria subordinado ao Judiciário, a quem caberia interpretar tudo já o que fora decidido pela Constituição. Considerando o princípio democrático e a separação de poderes , Alexy sustenta que a constituição é uma ordem-moldura , em que existe um espaço em que o legislador detém uma margem de ação, não estando obrigado a nem proibido de atuar. Em suas palavras: “a moldura é o que está ordenado e proibido. O que se confia à discricionariedade do Legislador, ou seja, o que não está ordenado ou proibido, é o que se encontra no interior da moldura”. ALEXY, Robert. Epílogo a la teoría de los derechos fundamentales. Revista española de derecho constitucional , v. 22, n. 66, p. 13-64; BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales . Baden- -Baden: Nomos, 1993, p. 40-43.
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